terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A Mordaça de Patrice

São Tomé e Príncipe tem andado em polvorosa desde que foi noticiado pelo Téla Non, um portal de notícias daquele país, que a jornalista e poeta São de Deus Lima teria sido censurada. A jornalista afirmou que foi impedida pelo director da TVS, a televisão pública das ilhas, de realizar uma entrevista ao antigo primeiro-ministro de Cabo Verde, Carlos Veiga.
Segundo o que relatou na sua crônica “escrever na areia”, no site Tela Non, a jornalista só foi informada de que deveria cancelar a entrevista quando Faltava menos de uma hora para começar o dito encontro. Segundo o director, Oscar Medeiros, as ordens foram superiores. Ainda nas palavras da poeta, no dia seguinte ao cancelamento da entrevista, foi chamada ao gabinete do director, onde esse a informou de que o seu contrato com término previsto para o dia 31 de dezembro, não seria renovado.
A situação de flagrante censura criada pelo governo ressabiou a opinião publica do país, com o facto sendo noticiado em vários órgãos de comunicação internacional. O governo que não se pronunciou junto aos órgãos de comunicação, fez circular através do site do seu partido - ADI, uma nota de imprensa. Nessa nota, o partido acusa entre outras coisas, São Lima de ser assessora do Governo e de estar a trabalhar contra o mesmo e deter agido de ma fé e com má educação com o entrevistado e com o director daquele canal televisivo.
Segundo a nota do governo, a entrevista havia sido cancelada com antecedência mas, “a jornalista não comunicou esta ideia ao candidato, deixou que o Dr. Veiga chegasse à TVS minutos antes do início do Programa em Directo e levou-o ao Gabinete do Director da TVS e disse-lhe: “Aqui está o Dr. Carlos Veiga e o Senhor Director faça dele o que quiser”. E bateu a porta e foi-se.”
Em declarações, a jornalista e poetiza são-tomense revelou-se chocada com a missiva do governo da sua terra natal. E garantiu que várias pessoas presenciaram o facto e podem confirmar que a sua versão dos factos é a verdadeira. São Deus Lima relembrou a época do partido único e garantiu que acredita que dias melhores chegarão ao pequeno arquipélago.
Sobre a questão relativa a assessoria do governo, esclareceu pelo portal Tela Non, que de facto foi convidada para o posto pelo primeiro-ministro Patrice Trovoada, e a sua resposta “ foi clara e inequivocamente negativa, por razões óbvias”.
A figura mais destacada do jornalismo são-tomense, São Deus Lima foi por cerca de vinte anos jornalista da BBc, onde foi responsável pelo conteúdo em português. A poetiza é estudou Comunicação Social em Portugal e é também formada em Estudos Afro-portugueses e Brasileiros pelo king´s College de Londres e mestre em estudos Africanos com espacialização em Governos e Políticas em África, pela School of Oriental and African Studies de Londres. O programa “Em Directo”, criado e apresentado pela jornalista, é um programa que promove o debate e a informação pública e tornou-se em pouco tempo líder de audiência do canal público são-tomense.

Abaixo assinado
Solidarizando-se com a compatriota e colega das lides literárias, Inocência Mata, escritora e professora universitária em Portugal, pôs a circular um abaixo-assinado contra a suspensão da jornalista e do programa “Em directo”, que a mesma comandava. Além da iniciativa da catedrática, outra iniciativas do mesmo gênero se vão desenvolvendo principalmente no meio cibernético, com debates acesos e abaixo-assinados eletrônicos, promovidos por são-tomenses e não só.

O comando recém-formado de Patríce Trovoada, que durante a campanha afirmou que seria um “governo de mudança”, enfrenta agora a sua primeira crise. Apesar das tentativas de se contactar o Governo são-tomense, tal não se revelou possível.

Aoaní d’Alva

sábado, 11 de dezembro de 2010

Assinaturas no abaixo-assinado (# 7729): Liberdade de Imprensa em S. Tomé e Príncipe - Abaixo Assinado.Org

Minha querida prima Apolinária.
Dessa vez escrevo eu, por um motivo triste. Atropelaram a Mãe. Ela continua viva é claro, como sabe ela é forte, já sofreu outros acidentes e resistiu. Não há-de ser esse que a vai tirar de nós. Ela não pediu que lhe escrevesse, prima, essa liberdade tomei-a eu, criança “esperteza” que sempre fui. Tomei-a eu, ainda meio em choque com o acidente que quase vitimou a minha mãe querida. E ao contrário do que é costume, prima, o infractor não fugiu! Mas também não a socorreu, ficou a vê-la receber o embate e digerir o choque.
É uma coisa que começou a entrar na moda aqui na nossa terra, prima. Dois por três atropelam pessoa e coisa fica assim, ninguém fala, ninguém ouve falar. Minha mãe, como a prima sabe, fala! Fala o que vê, o que não vê mas sente e o que outros sentindo lhe contam. Para mal dos pecados dela, prima Apolinária, a minha mãe Fala. E há umas duas/três pessoas que não podem com essa coisa! Eles andam aí, como quem não quer a coisa, sorriem só com os dentes mas com os olhos frios, oferecem apoio, mostram-se solícitos, vão olhando para a Mãe pela ponta do olho.
Ela olha para eles também, prima, mas de frente. Minha mãe, como diziam os portugueses quando vive lá e com o perdão da palavra, é lixada! Se ela não tem medo? Deve ter prima, mas eu digo-lhe que se tem, nunca mo disse. Eu sei que assim como é para mim, ela é para muitos um exemplo de coragem. Então hoje eles cansaram-se de só ver e resolveram agir. Um deles, cara lavrada, veio com camião e passou em cima do carro da minha mãe, com ela lá dentro.
Prima deve estar a pensar, “kei, como São Tomé está violento assim é?”. Coisa está tão esquisita prima que eles fizeram esse estardalhaço todo mas não derramaram sangue. Como eu disse, a minha mãe é lixada! Ela se não lhe escreve hoje prima, é porque está meio abalada, mas ferida não. Os olhos continuam a ver, as mãos a escrever e pior que tudo prima, a mãe continua a falar! E eu vou terminar de escrever prima, vou ver como é que a mãe está, ela deve precisar de alguém com quem conversar.
Ah! É verdade, a mãe disse que a prima estava a pensar em voltar para a terra. Volte sim prima, mas volte com cuidado. Principalmente se for falar, muito cuidado ao atravessar a rua. “Eles andam aí”.



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Texto escrito para mostrar a minha profunda insatisfação e desilusão com os acontecimentos que se têm desenrolado em São Tomé e Príncipe. Censura não é crime na nossa legislação? Alias, nós temos legislação? É que as coisas passam-se de maneira tão arbitrária as vezes que essa pergunta levanta-se. Que regras nos regem? E somos mesmo TODOS iguais perante estas leis? São Deus Lima é mais um exemplo da flagrante desgovernação do nosso país. Esta aberto o abaixo-assinado para que a TVS renove o contrato de São Deus Lima e o programa "EM DIRECTO" não saia da grelha!
Texto: Aoaní d’Alva


Assinaturas no abaixo-assinado (# 7729): Liberdade de Imprensa em S. Tomé e Príncipe - Abaixo Assinado.Org

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Nós e a internet

Esta semana encontrei um site deveras interessante: www.delas.ig.com.br. Como o nome já indica, é um sitio na internet virado única e exclusivamente para a mulher, seus problemas e soluções. No quadro dedicado ao comportamento humano, um artigo com o nome “Namoro em banda larga”, chamou-me a atenção. Segundo o texto, actualmente as relações amorosas estão a desenvolver-se num ritmo mais acelerado por causa do uso das ferramentas da internet.
Se antes o casal levava pelo menos um dia para se voltar a ver depois de um encontro, esse tempo é encurtado com o uso de chats com webcam e trocas de mensagens por telemóvel. Isso sem falar das vídeo chamadas, serviço já disponibilizado no mercado nacional para quem possui telefones 3G . E para os que se preparam já para dar inicio ao discurso negativista, é bom frisar que o tal texto traz também depoimentos de psicólogos que afirma que esse acelerar em nenhum momento é maligno.
A despeito de várias teorias apocalípticas que atribuem a internet a culpa de vários males na sociedade contemporânea, eu vislumbro principalmente pontos positivos. Numa época em que a globalização é uma realidade, a internet vem revelar-se uma ferramenta muito útil na concretização da expressão: Aldeia Global. As especificidades mantêm-se, mas lado a lado com o que é mais global.
Antigamente emigrar significava ficar anos sem ver, e muitas vezes sem saber, da família. Cesária Évora imortalizou essa ideia na música Sodade. “Si bu screvem n ta sreveu, si bu skecem n ta skeceu” – se me escreveres eu escrevo-te, se me esqueceres, eu esqueço-te”. Hoje essa música teria que ser adaptada para algo como, se não entrares no mensseger bloqueio-te! As pessoas já não ficam meses sem se falar, a não ser que o façam propositadamente.
Cartas de amor são lindas, emociona-me de facto, mas as mensagens de texto no telemóvel ou os emails dão-me mais jeito, são mais rápidos. As novas tecnologias atrapalham em muitas coisas, mas acredito que ajudam mais. Famílias separadas por oceanos, uns porque foram estudar, outros porque tiveram que ficar e trabalhar, ligam-se pelo Skype, facebook e msn. Podem falar todos os dias sem custos muito altos (porque esse é um condicionador de peso) e despreocupar-se porque podem acompanhar as mudanças físicas, e manter o contacto emocional, muitas vezes estreitando-o.
Assumo que sou apologista da internet e numa altura em que se combate todas as formas de exclusão, pouco ou nada vejo ser feito no sentido de se combater a exclusão digital. Todos nós devíamos ter acesso a internet e aos benefícios que dela se pode tirar. Faço parte do grupo, não tão pequeno assim, que acredita que o mundo digital já faz parte do rol das necessidades básicas do ser humano. Exagero? Experimente pedir à um estudante do secundário que faça um trabalho de pesquisa só com livros e depois diga-me se é ou não exagero!

NJ144

Aoaní d’Alva

O dia em que eu não devia ter saído da cama

Há dias em que, realmente o melhor é não sair de casa. Dércio acordou bastante mal humorado, depois de uma noite mal dormida. Motivo? Os vizinhos da frente alugaram o quintal, como já começava a ser hábito, aos jovens da rua, que deram uma das suas festas de arromba! As festa deles já começavam a ser conhecidas além do bairro, vinham pessoas dos arredores e pelo que parecia começavam a vir de outras paragem mais distantes.
Até aí tudo bem, afinal ele também tinha organizado e participado de muitas festas assim “no seu tempo”. O problema era que as suas festas eram feitas durante o fim-de-semana, não a quarta e a quinta-feira como esses jovens faziam! Eles saíam do espaço as seis ou sete da manhã porque só tinham aulas a noite, mas a essa hora já ele e a mulher tinham que estar a caminho dos respectivos trabalhos, depois de terem deixado os miúdos na creche.
Voltando ao dia mau, aquele começou assim, praticamente sem acabar o outro já que eles quase não tinham dormido. A água do tanque acabou assim que as crianças se banharam. O açúcar e a manteiga acabaram. Mas as coisas lá se ajeitaram de uma maneira ou de outra. Lá se tinha usado mel, margarina e o chá fora feito com água potável. Quanto ao banho… bem, sempre havia os bidons de reserva!
Por causa dos imprevistos, a hora em que finalmente se puseram a caminho, quase não conseguiram sair de casa porque a rua já estava engarrafada. O percurso até a rua principal que levava normalmente cerca de cinco minutos levou meia hora. “Ah! Uma vaga em frente ao colégio”, alegrou-se Dércio. Mas a alegria durou pouco e numa questão de segundos um jovem com ar displicente e óculos escuros enormes na cara (provavelmente a esconder a ressaca ou só por “banga”, pois a luz do sol ainda não era suficientemente forte), deu-lhe “m’baia”.
Enquanto praguejava entre dentes, por causa das crianças, o casal ficou a ver o tal rapaz estacionar o seu modelo top de gama só com uma mão (a custa da direcção assistida), sair da viatura e passar por eles a assobiar. Como diriam os rapazes lá da rua: tipo nada! Uma vez perdida a vaga, fez-se uso dos rotineiros intermitentes e lá teve Ana Raquel que tirar as crianças do veículo a toque de caixa! Claro que não houve tempo para muitas despedidas, a mãe acompanhou muito rapidamente os rebentos ao portão e voltou a correr para o carro.
Os automóveis atrás já buzinavam impacientes, os outros motoristas quase saíam para bater boca. Embaraçado Dércio acelerou ao mesmo tempo em que soltava um “dasse!”, agora em alto e bom som. Como a esposa lhe fizesse cara feia ao palavrão, ele lá se justificou: era um escape para o stress. Não muito convencida ela lá anuiu, resmungando qualquer coisa sobre psicanalistas e consultas.
O bom era que os dois trabalhavam na mesma rua, o pior era que essa rua era a Rainha Ginga e depois das 8h30 era praticamente impossível encontrar lugar para estacionar. Deram mais de três voltas aos quarteirões onde ficavam os seus trabalhos e quando se preparavam para ir procurar espaço na marginal, surpresa! Encontraram um lugar, mesmo em frente á Igreja da Nossa Senhora dos Remédios, deixaram-no aí. O lugar não era propriamente o melhor para estacionar, mas com apressa… Ao fim da tarde, depois de um dia exaustivo para os dois, lá estavam eles dentro do taxi, com os filhos a espera no portão da escola. O carro tinha sido rebocado.
Realmente há dias, em que é melhor nem sair da cama.

NJ 143
Aoaní d’Alva

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Angola FashionWeek 2010

Ontem fui ao Angola FashionWeek 2010, no Cine Atlântico. É… foram aquelas coisas de sempre, muita gente bonita, muita gente achando-se bonita, outro tanto de gente fingindo (e mal) que é bonita. Enfim, tinha de tudo e de todos um pouco. É sempre bom sair da nossa costumeira lenga-lenga quotidiana e embarcar nessas expedições alienadas que a profissão nos oferece.
Pois bem, fui lá. Fiquei até ao fim, por isso posso tecer alguns comentários:
1. - os modelos masculinos estão muito melhores em termos de desfile que os femininos. Eu não entendo nada de nada de moda, mas GENTE!?!?! Muito sem noção, como diriam lá pelas terras do Lula. Essas moças precisavam de treinar mais, ver mais canais de moda, alguma coisa assim.
2. - Pela primeira vez na vida eu vi gente magra com gordura localizada. Mas quando eu digo “gente magra” eu quero dizer: esquelética! Como é possível que a menina, só pele e osso ainda consiga ter gordurinhas nas costas!!! Numa palavra: estranho!
3. - Celulites! Montes delas…
4. - A ideia da Casa Paris de colocar modelos com asas a desfilar roupa interior, obviamente foi baseada nos desfiles da Victoria’s Secret. Até aí muito bem, podia ser Benchmarking . Mas só se considera Benchmarking quando há melhorias no projecto e isso, não houve. A iniciativa foi boa, mas a mão-de-obra para executa-la foi péssima, pelo menos do lado feminino. Eu sei que parece implicância, mas é a pura verdade, elas não estavam preparadas para um evento desta natureza, não estavam….

Mas é como se diz, o que conta é a intenção, e a intenção aí foi óptima.

sábado, 5 de junho de 2010

You don’t have to run away

Dos problemas que parecem enormes
Das cobranças, dos medos ou desconfiança
Não tem que estar tudo nos conformes
Nem todo o mundo serve para usar aliança

Diz-me que não queres mais ficar
Que acabou o tesão, a paixão, a ilusão
Não sei entender que não saibas amar
Mas vou receber de volta o meu coração

Não precisas de correr nem de te esconderes
Enquanto me envolvias na tua teia do amor
Fingi que te dava sobre mim todos os poderes
Mas fiquei com alguns, como o de fugir da dor

Recuso-me a sofrer quando já estás noutra
Deixo-te ir sem magoas nem ressentimentos
A vontade de te amar está longe de ser pouca
Mas ainda te expulsarei dos meus pensamentos

Não tens que correr porque ainda não sabes
Se te vou por de lado nessa minha nova fase
Não sei ainda dizer se a tua amizade cabe
Pois pode ser que as coisas mudem e eu case

Não precisas de ir para muito longe de mim
Só porque eu não vou me desfazer por ti
Meu coração vai ter novo chip e novo pin
Assim que o actual resolver que quer partir

Assim parece que não te amo, eu sei
Mas a verdade é que me amo mais ainda
Deitada ontem a teu lado no sofá,pensei
O que vai ser de mim se o nosso amor finda?

Pensei em como eu era antes de te conhecer
Lembrei-me daquele primeiro beijo roubado
Da entrega apaixonada sem resistência oferecer
Daquela primeira noite de intenso pecado

Sei que se partires meu navio vai a pique
Vou-me afundar, tocar no fundo do oceano
Mas não vou me ajoelhar e pedir que fiques
Junto a mim por mais alguns dias do ano

Não precisas de facto de tentar correr
Para ver se não te arrasto comigo para o fundo
Hei de sobreviver , nadar, o mar vencer
Construir dia a pós dia, de novo o meu mundo

Por isso, You don’t have to run away, baby
Cause I know how to be by myself, fine
you don't have to be afraid of gray days
because i'll never stop to shine

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Aldeia global

A certa altura do seculo passado, o sociologo canadense Marshall McLuhan resolveu cunhar uma expressao muito peculiar: aldeia global. McLuhan pretendia com esse conceito, explicar as alteracoes sociais que se davam com o advento das novas tecnologias. O canadense no entanto referia-se principal e constantemente aos efeitos da TV. Hoje nos sentinos esses efeitos principalmente por parte dos telefones moveis e da internet.
A principio a novidade causou estranheza a muito boa gente, eu incluo-me neste grupo, claro. Nao por ser boa gente, isso nao me cabe a mim dizer, mas por tambem ter estranhado o novo conceito. Nao conseguia perceber a ligacao entre a palavra aldeia, que na minha limitada cabeca so podia significar um pequeno agrupamento de casas, perdido em algum interior longinquo (andar de carro mais do que duas horas era sinonimo de lugar distante). Logo a questao que se levantava era: como eh que uma coisa tao pequena como uma aldeial, podia ser global? Afinal global vem da palavra globo, nesse caso o nosso, o planeta terra.
Ora, a mim o conceito parecia extremamente paradoxal e eu nao conseguia entende-lo de facto. Para nao parecer muito ignorante entre os amigos, mostrava-me sempre muito conhecedora da materia, “claro que eu sei o que quer dizer, so nao sei explicar de forma simples!” E eles ou acreditavam, ou fingiam muito bem. Com o passar dos anos la fui entendo o conceito. Compreendi que o mundo deixava de ser um planeta grande e passava a ser apenas uma vila, apartir do momento em que se conseguia estar em contacto com pessoas do outro lado do oceano, apenas atendo a uma chamada o clicando em algum tecla do computador.
Noticias que antes podiam demorar anos a chegar ao conhecimento das pessoas, com a invencao, primeiro do radio, depois da televisao e mais tarde da internet, em questao de minutos chegavam a todo o mundo. Eu acredito que nao foram so as inovacoes nas telecomunicacoes levaram a que actualmente esse conceito seja tao valido. Na minha opiniao, a globalizacao comecou muito tempo antes do advento da tv, a globalizacao comecou com a revolucao industrial ainda no seculo XVIII, afinal depois dela o mundo nunca mais foi o mesmo. A mecanizacao dos processos de producao levaram a mudancas a todos os niveis, que vieram culminar nesse novo mundo da nanotecnologia, microbiologia e outras inovacoes cientificas.
E esse discurso todo porque, pergunta-me-ao os leitores. Eh simples, encontro-me neste momento na Gambia, mas antes de ca chegar, ainda tive que passar por Addis Ababa, na Ethiopia e por Bamako, em Mali. Apesar de nos encontrarmos numa aldeia global, ainda nao nos nos conseguimos livrar das escalas... Em Addis Ababa a escala levou cerca de um dia e meio, o que me deu algum tempo para tentar conhecer e perceber a cidade. Num passeio pelas redondezas do hotel, encontrei um bar, desses que o brasileiro chama boteco, com posters de jogadores de futebol a porta.
Nada de estranho? Bem, os jogadores eram o potugues Cristiano Ronaldo e brasileiro Ronaldinho Gaucho. Em Bamako um jovem de largo sorriso em tom marfim, perguntava se alguem queria taxi. Nada de estranho nisso tambem, mas ele tinha vistido uma t-shirt da seleccao de portugal. Tudo isso pode ate ser normal numa aldeia global e nao causar estranhaza a muita gente, mas a mim ainda espanta. No entanto, acho que o meu maior espanto foi encontrar na Gambia pessoas que depois de saberem onde eu vinha me diziam: “oh, Angola? I watch Angolan TV here in the Gambia, Zimbo and TPA. I like your dance, kuduro”. Ora digam-me la se a isso nao se chama globalizacao?


Publicada no NJ122

domingo, 30 de maio de 2010

Esse já cá canta!

"É assim quando a amizade é verdadeira", disse-me a minha mãe, depois de me ver e ouvir aos pulos e gritos no quarto. Bem, na verdade ela só me disse isso depois de eu lhe ter explicado o motivo de tanta alegria: "O meu amigo Vemba ganhou o prémio! Até parece que fui eu!", gritei eufórica. "Ainda acordas a tua sobrinha", retrucou-me ela, quase congelei no ar! E a "caçulê" quase que acordava mesmo, mas como é rija na queda, só se ajeitou e continuou como se nada tivesse acontecido. Eu lá continuei a festejar, mas assim de uma maneira mais calma, silenciosa.
Outros amigos festejaram também, outros reais amigos! A Isabel C.B. por exemplo, aproveitou que já estava no aniversário de uma amiga, e acrescentou mais uma comemoração a primeira. Chegou-se a cabine do DJ, lançou mão do microfone e anunciou aos quatro ventos quem era o winner da vez. Se as pessoas conheciam-no? Isso não interessa, o certo é que comemoraram também!
Calculo que toda a gente em Angola vá reagir assim, mesmo quem não o conheça. Alias, não há dúvida de que agora vão todos procurar saber um pouco mais sobre ele. Mas como eu ia dizendo, acredito que a reacção geral vai ser de alegria, quer o conheçam quer não, quer sejam jornalistas,quer não. Afinal foi um angolano a ganhar. O concorrente from Mozambique que me desculpe, mas esse já cá canta!

And the winner is............ Sebastião Vemba


Aos 25 anos, Sebastião Vemba acaba de ganhar o prémio CNN/Multichoice de Jornalismo africano, na categoria de Notícias Gerais Para a Língua Portuguesa!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

“a própria”

Mariana sentia-se “a própria” no dia em que completou 18 anos. O cabelo encaracolado, negro, sedoso e comprido até a cintura fina, tinha sido comprado no Brasil pelo namorado e colocado num cabeleireiro na sagrada família, coisa chic. O vestido preto era uma peça digna de nota: um tubinho preto de nylon que quase nem cobria a bunda e que tinha custado uns indizíveis 700 dólares só por ser de grife! Um modelito exclusivo, ela fazia questão de sublinhar. “Ninguém nessa cidade tem uma peça igual a essa”, dizia. Bem… igual pode ser que não, mas eu jurava que tinha visto uma modelo com um idêntico, talvez um número a cima, numa dessas revistas de fofoca.
Não comentei nada claro, afinal ela estava num entusiasmo tão grande, que não valia a pena fazer reparo de um pormenor tão insignificante. Além do que, tinha visto a revista em cima da mesa de centro lá da casa onde fazia limpezas as terças e quintas, por isso nem tinha como provar o que dizia. Fiquei a vê-la encher a cara de maquiagem, material de primeira, tudo comprado no exterior, pelo tal namorado. Quase uma hora de base, pó-de-arroz, sombra, blush, rímel e batom, depois, Mariana parecia outra pessoa. Os espinhos (a filha da minha patroa chama de acne, não sei porquê), tinha desaparecido totalmente!
Eu bem lhe tinha dito que aquela coisa de pintar a cara de vestido posto ia dar azar, mas ela não me ouviu… Embora as pessoas não admitam, sabe mesmo bem dizer: eu não disse? Então foi com algum prazer que eu fiz isso, depois que terminou a sessão de maquiagem. O busto do vestidinho preto quase ficou roxo, porque a sombra era dessa cor, para combinar com os sapatos e a bolsinha (só cabia lá o telemóvel e as chaves de casa). Ah, quase me esqueço de referir: tanto o sapato como o a bolsa eram de marca, o primeiro era Aldo e a segunda era Louis Vuitton. Toda a rua sabia disso, o namorado tinha trazido de uma viagem que fez à Portugal.
A mariana até é boa menina. Ok, talvez fosse melhor conjugar o verbo no passado. Agora ficava um bocado difícil explicar se ela era boa ou má, alias ficava difícil explicar muita coisa naquela jovem nestes últimos dias. Eu sou um pouco mais velha que a Mariana, na verdade sou amiga é da irmã mais velha dela, a Catarina. Mas é como se ela fosse minha irmã também, via-a crescer aqui no bairro. Menina esperta, olhar vivo energia nos pés e sempre com os dentes a mostra. Era magrinha quando criança, mas de repente, acho que quando andava aí pelos 15 anos, surgiram-lhe as carnes todas, nos lugares exactos.
Três anos depois, Mariana tinha ganho muita coisa além da idade. Os namorados eram sempre HRs (homens ricos), porque segundo ela, tinha que aproveitar o que Deus lhe tinha dado, para garantir o futuro. Como resultado disso, a cozinha da família agora é toda nova, o quarto dela parece um lugar a parte do resto da casa. E apesar de sempre estar matriculada nos melhores colégios, a faculdade não parecia ser o seu obecjtivo final. Este último, Zé Maria, tinha mais 20 anos que ela e era casado, do tipo que estava sempre para se divorciar, mas nem se quer saía de casa. Ela fingia que acreditava nele, ele dava-lhe tudo e assim iam todos felizes.
Mas aquele era um dia diferente, Mariana sentia-se “a própria”. Finalmente tinha atingido a maioridade. E o namorado tinha prometido dar-lhe um presente especial. Quando saímos do quarto cinco estrelas, Zé Maria estava sentado na sala a falar com os “sogros”. Tinha todos um ar resplandecente, de quem se continha, mas tinha vontade de festejar. Depois daquela conversa básica, “estás linda amor”, “milha filha como cresceste” (até parece que ainda não tinham notado), a aniversariante levantou-se expedita, queria sair logo. Do lado de fora, com um enorme laço vermelho, estava estacionado um X8 preto, brilhante, zero quilômetros. Nesse dia, para muitos lá da rua, Mariana tornou-se realmente “a própria”.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Uma nova estrela no céu

Dizem que as estrelas morrem e deixam de brilhar no firmamento. Hoje sei que acabamos de presenciar o processo inverso. Apagou-se entre nós aquela que era sem dúvida uma estrela de saber, de conhecimento e história, não só do seu país mas de uma variedade assombrosa de outras coisas. Alda Espírito Santo, figura presente na vida de todo o são-tomense, em particular, de uma maneira ou de outra, quanto mais não seja, nas palavras sublimes que compõem o hino daquele arquipélago, e de todos os africanos no geral, pela sua participação directa nos momentos de emancipação na era colonial, deixou-nos.
Dizer que a sua partida nos deixou no escuro, não seria digno da sua personalidade tão activa, tão radiosa e participativa. Acredito mais na teoria de que ela mais não fez do que ascender à um outro patamar. Hoje ela brilha entre os seus pares semelhantes, fontes constantes de luz no breu que chega aquelas ilhas depois das 18 horas.
Sempre foi difícil dizer adeus, sempre. Mas esse é certamente um adeus especial. Como dizer adeus à um pedaço da nossa própria história? Como abrir mão de pessoas que sempre estiveram presentes de alguma maneira? “Há pessoas que não deveriam morrer”, ouvi várias vezes dizerem sobre a morte dessa senhora.
Nos seus últimos dias, Dona Alda ainda tinha a luz da lucidez e o brilho da inteligência aguçada que sempre lhe foram peculiares, sempre. Foram visita-la algumas amigas. Reconhecia e chamava as pessoas pelo nome, “claro que me lembro desta nossa amiga!”, reagiu quando alguém achou por bem refrescar-lhe a memória. Falava de problemas e coisas que tinham acontecido, inqueria soluções, queria saber dos filhos, das suas notas ou dos seus cursos.
Mas era um falar lento, demorado no entrecortar ofegante de uma respiração já cansada, que anunciava algum erro na escrita daquele poema. Muitas vezes calada interrogava só com o olhar, aquele olhar que penetrava na alma e tinha o poder de fazer confessar qualquer travessura. Era um olhar carregado de sabedoria, uma sapiência humilde, de quem viveu muito mas nem por isso se endureceu ou empobreceu espiritualmente. Ela era acima de tudo professora, ensinava mesmo quando estava calada, porque o silêncio também fala. Era uma biblioteca que fazia questão de ser consultada, procurada, ouvida.
No decorrer daquela que seria sua última visita recebida, quando permanecia calada há já alguns minutos recuperando o fôlego de uma pergunta que havia feito, entrou um médico. Ele foi simpático com ela, brincou um pouco para descontrair, porque já a essa altura ela estava na defensiva. Tinha razão de o fazer, pois momentos depois, o médico disse-lhe que achava melhor mudá-la “lá para baixo” para a UTI.
“Deixem-me cá estar, porque é que me querem tirar as minhas visitas?” foi a resposta pronta de D. Alda. Ela sabia que era uma viagem sem regresso, e queria despedir-se, estar presente quando os reais amigos a visitassem. Foram cinco ou seis minutos em que ela argumentou com aquele jovem, visivelmente preocupado com a sua saúde. “eu vou lá para baixo amanhã, deixe-me estar aqui só hoje”, continuou a dizer ela.
Era uma pessoa que se costuma obedecer quase por instinto, mas dessa vez até as amigas foram “contra” ela. Quando viram que o médico começava a esmorecer na sua posição, apoiaram-no. “Camarada presidente, nós estamos mesmo de saída e também achamos que deve ir lá para baixo ver essa respiração” “voltamos amanhã e vamos vê-la onde estiver”, frases ditas com segurança para a acalmar, mas que só escondiam o medo que todos sentiam de a perder.
Saíram do quarto, deixando a D. Alda ainda a resmungar sobre mudança, embora já tivesse concordado com ela. Foram pelo corredor conversando sobre amenidades, ninguém querendo falar sobre o obvio. No andar de baixo encontraram a melhor amiga da enferma, companheira incansável e inseparável. D. Maria Alves vinha apressada, tinha ido a casa buscar qualquer coisa, mas voltava rápido para junto da amiga. Quando as viu abrandou, agradeceu a visita e perguntou pela amiga. Quando foi informada de que a levariam para a UTI, cambaleou, assustou-se tremendamente. Tentaram tranquiliza-la, dizer que era um processo só preventivo, mas ela não se convenceu. Tiveram que subir outra vez para ampara-la. Deixaram-nas no andar de cima, as duas tendo que lidar com os seus medos. Dois dias depois Dona Alda deixou-nos. Uma das amigas lembra-se com pesar do momento em que ela lhe havia pedido um beijo, “ela estava a despedir-se, ela sabia”. Também acredito que ela soubesse. Mas como lutadora que sempre foi, não fez alarde, não se imbuiu do espírito de auto-compaixão que se vê principalmente nos sãos. Morreu como sempre viveu, digna, livre, combatente.

NJ-113

Ana Carolina - Arrasa Cine Atlântico

A cantora brasileira Ana Carolina esteve na passada semana em Angola. Depois de um espectáculo na Casa 70, no dia a artista cantou também no Cine atlântico, no passado sábado, 06. Com bilhetes vendidos à seis mil kwanzas, a sala de cinema encontrava-se cheia as 21h15 quando a cantora deu inicio ao show. Alguns minutos depois algumas pessoas ainda continuavam a chegar, apressadas, mostravam o bilhete e entravam. Foi o caso do casal Fredy Costa e Yola Araújo que passou a correr pelos seguranças.
Grande parte dos presentes no show são brasileiros, que entusiasmados gritam: “linda, gostosa!”
Tanto angolanos como os irmãos vindos do outro lado do oceano acompanhavam, uns mais afinados que outros, a cantora em todas as músicas. Enquanto a maioria das pessoas permanece sentada, abanando-se com leques oferecidos a entrada do espectáculo, umas poucas se levantam nas laterais da sala e vivem o show em pé. De repente uma fã mais afoita levanta-se e correndo, sobe ao palco montado com pouca elevação, onde abraça uma Ana Carolina que não se desfaz, retribui o abraço, mas não para de cantar.
Antes mesmo que os seguranças cheguem a moça retira-se do palco, sorriso aberto no rosto, rapidamente se junta as amigas com quem comemora com gritinhos e saltos, como se tivesse cruzado o oceano a nado! Medalha de ouro pela ousadia e por ter conseguido realizar a peripécia sem ser apanhada.
Clamores vão se levantando todas as vezes em que a cantora começa uma musica, ou se levanta para cantar mais a frente no palco, sem a guitarra. Mais duas fãs sobem ao palco, uma delas uma menininha que aparentava ter cerca de 7 anos. Dessa vez mais atentos os seguranças chegaram a tempo de separar fãs e ídolo.
A plateia a princípio tímida e bem comportada vibra juntamente com Ana Carolina ao som de “Vendedor de flores”, todos cantando a plenos pulmões as estrofes da versão brasileira da música de James Blunt. Quando o público entrava finalmente entrava em êxtase total, a cantora anunciava a sua última musica: Elevador. Aí então se deu a catarse geral, com a plateia a levantar-se toda de uma só vez e a rodear o palco baixo, procurando que a cantora lhe desse atenção.
Ana Carolina não se fez rogada, e enquanto soltava a voz soltava também os braços, cumprimentando as pessoas mais próximas à si. Depois de terminada a música, a artista saiu do palco, debaixo de um desesperado brado de “só mais uma”, repetido por várias vezes. Atendendo ao chamado dos fãs, a cantora regressou com “garganta”, ao fim da qual agradeceu carinhosamente (levando a mão ao peito), a atenção do público, fez a vénia com os elementos da sua banda e retirou-se, desta vez definitivamente. “ Foi um show curto, mas valeu a pena, mesmo tão pouco” comentava um amigo com o outro.

NJ 112

Pintos - Cocktail bar e Restaurante

Tem pressa e quer comer alguma coisa rápida, ou quer tomar um copo com os amigos e por a conversa em dia? O Mutamba sugere-lhe o Pintos, Cocktail Bar. Com uma decoração elegante, sem deixar de ser aconchegante, o espaço convida a ficar sempre mais um bocado. Uma mistura entre o tom suavemente perturbante do roxo e o calmante do castanho da madeira, contornam as pequenas mesas a um canto, cadeiras e mesas de pé alto na linha do balcão do bar.
No vão da escada, onde deveria se fazer sentir o vácuo, figura uma jux box, dessas que se via nos filmes americanos do velho oeste. O cliente pode escolher uma música ambiente enquanto degusta um conhaque ou um vermute. Se for degustar uma sandes mista, vai pagar 840 kwanzas. Mas se optar por uma salada grega ou por uma omoleta de gambas, terá que pagar 1500 ou 2980 kwanzas, respectivamente.
Em termos de bebida, há para todos os gostos, com ou sem álcool. O cocktail Cinderela por exemplo, é uma mistura de sumo de laranja, limão e ananás, sem álcool. Se for amante de bebidas mais espirituosas, o barman pode oferecer-lhe um cocktail Calundula preparado com sumo de laranja, maracujá e vodka.
Quer provar o Bacalhau à Pintos, uma posta desse peixe, recheada com presunto, assada no forno com molho de gambas e acompanhada com batatas coradas? Por 4.030 kwanzas, poderá faze-lo numa sala forrada com painéis de madeira intercalados com superfície espelhada, o que lhe dará um ambiente intimista e ao mesmo tempo arejado. Decoradas com toalhas nas cores branca e salmão, as 11 mesas do restaurante são altamente concorridas, sendo aconselhável fazer-se reserva com pelo menos um dia de antecedência.
Comeu peixe a semana toda e apetece-lhe antes um prato de carne? Experimente o Tornedo com cogumelos, um bife de lombo alto, confeccionado na frigideira com cogumelos e molho de natas. Para acompanhar: batas fritas e legumes salteados. Para beber, a carta de vinhos apresentada pelo restaurante oferece várias possibilidades, com garrafas de 750 e 375 ml, vinhos portugueses, franceses, chilenos e sul-africanos.
Quando passar para a sobremesa, ficará deliciado com os dois carrinhos existentes para esse efeito. Um com queijos de vários tipos e de várias origens e o outros com os doces que vão das trates às mouses, passando por semi-frios e gelados. Cada dia uma sobremesa diferente da outra, porque cada dia é um novo dia.
A sala reservada ao restaurante, situa-se no primeiro andar e foi projectada de uma tal maneira que faz um deque (uma espécie de varanda) sobre o bar e possibilita a quem está no andar superior vislumbrar quem se encontra na parte dianteira do rés-do-chão. Outra das mais valias do lugar é a ampla janela panorâmica, com vista para o esverdeado Largo do Atlético.

Publicada no NJ112

Mana Mwana

Mana Mwana sentou-se finalmente, cansada do dia e da vida. Ginga, Wisa e Ajene, seus três filhos dormiam placidamente, depois do banho tomado e do lanche comido. Ajene apesar de ser adoptado, sempre fora tratado como filho biológico. A mãe do menino tinha morrido à quase 6 anos, vítima de complicações no parto. A falecida era vizinha e amiga, e quando os familiares se recusaram a receber o bebé, por este alegadamente ser feiticeiro, Mana Mwana acolheu-o entre os seus. Era o “caçulê” da família, o mais mimado e o mais dócil também.
A decisão de adoptar o pequeno foi difícil, Zé Maria, pai das duas filhas que já tinha foi contra, disse que não estava para criar o filho dos outros. a família também objectou, afinal já era tão difícil cuidar das duas meninas, porquê arranjar mais dor de cabeça? Algumas amigas também questionaram a sua decisão, uma chegou a dizer: “assim é o quê? Vontade mesmo de ter filho homem? Faz embora o teu”. Embora a pressão fosse muita, Mwana não desistiu dos seus intentos. Ajene foi viver com a nova família alguns dias depois e estava lá até hoje.
Zé Maria, esse não estava mais com a família. Embora ele acusa-se a chegada do menino com o factor principal do seu afastamento, toda a agente sabia que ele tinha preferido ir morar com uma senhora abastada que lhe dava de tudo. Ele tinha até deixado o emprego de pedreiro, porque não combinava com a nova vida. Agora viva as custas da nova mulher e por isso mesmo nunca tinha dinheiro para dar aos filhos. Ou pelo menos era assim que Mana Mwana pensava.
Cansada pegou no pequeno espelho em cima da cómoda velha. Mas antes de reparar nos seus traços cansados e preocupados, olhou para o reflexo dos seus três pequenos, deitados na cama de casal, tranquilamente entregues ao mundo dos sonhos. “No que estarão a sonhar? Espero que com coisas boas” pensou. Depois lá se fixou em si mesma: começava a pesar a idade. Ao 41 parecia mais estar perto dos 50, semblante sempre franzido, umas quantas pinças em redor dos olhos.
Mwana vende roupa do Brasil no Roque. Nunca foi às terras do Lula, apenas trabalha por conta doutrem. A patroa é uma senhora de nome Rita, que além de pouco delicada também é aparentada com o Caim, muito agarrada aos bens materiais, secretamente apelidada de “ambi” entre as outras vendedoras. A rotinha da grande feira era pesada. Acordava antes que o sol raia-se, porque era nesse horário que as pessoas apareciam e levavam mais coisas. Todos os dias tinha que discutir com fregueses que só queriam levar numeração pequena das calças jeans. Ao almoço, comia sempre aquele macaiabo, feito em condições duvidosas. Mas o seu aparelho digestivo já estava blindado.
Quando saía do roque por volta das 12 horas, Mana ia ainda trabalhar como doméstica em casa de uma família cheia de “guito”, que morava na Sagrada Família. Ficava aí até as 17 e só então ia para casa. Até chegar ao Prenda, onde morava, levava mais um bom tempo por causa do engarrafamento. Apesar de estafada, em casa ainda inventava forças para brincar e ver os trabalhos da escola dos filhos. Conversava com a irmã de 19 anos que morava com ela enquanto preparava a comida para o dia seguinte.
Eram 4 bocas para alimentar, porque Mwana não queria que a irmã trabalhasse, para não atrapalhar os estudos. “Ela tem que ser doutora” justificava constantemente. Linda entendia as preocupações da irmã e esforçava-se ao máximo para ser a primeira em todas as cadeiras daquele primeiro ano de direito. Se corresse tudo bem ia conseguir uma bolsa de estudos e não mais sobrecarregar a mana.
Quando Mana Mwana se deitou nesse dia, já passava das 22h, tinha perdido muito tempo a pensar na vida. Apesar de cansada sentia-se feliz. Os filhos e a irmã estavam alimentados, bem cuidados e o mais importante: recebiam instrução e “seriam alguém um dia”.

Publicado na edição 111 do Novo Jornal