- Estamos
num momento “corda bamba” lá no trabalho querida. E se me
demitirem logo depois de pedires demissão? Vamos ficar na penúria,
passar fome?
- Não
vamos nada passar fome Beto, afinal temos as nossas poupanças. O
que não dá para aceitar é a falta de respeito. Já viste o que é
tu trabalhares como escravo, manteres a empresa em pleno
funcionamento, com bastante lucro, visibilidade e credibilidade e
agora, de repente, porem-se a contratar consultores para fazer a
mesmíssima coisa que nós sempre fizemos?
- Sim, eu
sei que não é fácil querida, nós estamos a passar pelo mesmo lá
na empresa. Mas precisamos ter calma.
- Calma?!?!?!
Eles as vezes ainda reclamam do que tu fazes para virem fazer o
mesmo depois! Mas ganham o dobro ou o triplo, têm casa, transporte,
alimentação! E nós?
Sim,
mas eles são expatriados, essas regalias são para compensar a
deslocação e o afastamento da família.
- Como se
tivessem sido obrigados a vir... Não é justo, temos pessoas
capacitadas na empresa, sempre tivemos. Agora de repente já não
valemos nada? Se é assim, vou valer nada noutro lugar, onde não
tenha que aturar faltas de respeitos de quem não percebeu ainda que
a escravatura acabou e que agora somos donos do nosso próprio país.
- Mas se
sais não estás mesmo a entregar-lhes o “país”?
- Ah!
Mas...
- Pois,
não tinhas pensado nisso não é? Pensa. Pensa melhor antes de
tomar qualquer atitude definitiva.
- Hum...
ok.
Suzana saiu
de casa naquela manhã, muito pensativa. E passou o dia assim nesse
estado contemplativo, analisando os prós e os contras, pesando,
medindo, decidindo. Como se tivessem pressentido o tsunami que se
formava dentro da chefe do departamento financeiro da empresa, quase
todos os directores quiseram falar com ela.
Uns
quiseram-na acalmar, com a alusões a eminentes promoções, outros
foram mais práticos e falaram directamente de aumentos salariais.
Mas na mente da contabilista, o problema não residia única e
simplesmente com a questão financeira ou de progressão na carreira.
O problema maior eram os mandos e desmandos dos consultores que a
certa altura pareciam ter mais poderes que os próprios directores.
Enquanto
conduzia, fazendo o caminho de volta para casa (tinha adiado o pedido
de demissão “sine die” até que tivesse analisado a coisa por
todos os ângulos ), Suzana recapitulou o episódio mais marcante
daquele dia, quando o director financeiro foi desautorizado no meio
de uma reunião com os funcionários, pelo consultor contratado para
o auxiliar. “É óbvio que isso não pode ser feito, o senhor
director aqui enganou-se, o que ele quis dizer é que...”. Nestes
termos o director tinha sido interrompido e nestes termos tinha a
reunião continuado.
Sem
conseguir aguentar muito, ela tinha-se levantado e saído da sala de
reuniões. Mais tarde o mesmo consultor apareceu na sua sala para
saber o porquê da sua saída a meio da reunião “mais produtiva do
semestre”. Teve que esperar quase 15 minutos em que ela atendia a
várias chamadas, tanto dos colegas quanto dos bancos e dos
fornecedores. Quando finalmente lhe concedeu algum tempo ele voltou a
fazer a mesma pergunta, ao que ela respondeu, fazendo um gesto para o
telefone: “assuntos inadiáveis”.
Sentindo que
tinha pouco espaço de manobra, em menos de dois minutos depois ele
retirou-se. E Suzana congratulou-se por ter conseguido resistir a
tentação de o mandar ir pastar búzios. As sua atenção voltou do
lugar chamado memória, de volta a realidade, porque no rádio ligado
há tanto tempo, uma música começou a tocar.
“Wakimonó
kia, patrão é o colono, aqui... na terra do Pai Banana”
Publicado no NJ 26.04.2013