quinta-feira, 20 de agosto de 2009

FLAMBA

Flamba vivia em Paris há 15 anos, numa rua estreita a duas quadras da “Champs Elisée”. Nesses longos anos aquela senhora de 40 anos viveu quase que exclusivamente para o trabalho. Tinha saído de Lugarelhos, pequena nação no coração da América Latina, em busca do sonho de ser modelo. A vida não lhe saíra tal como o planeado, o seu percurso fora marcado por várias voltas e reviravoltas, e trilhara um caminho nada esperado.
Há 15 anos quando chegou a França trazia na bagagem os sonhos, muitas roupas e algum dinheiro. Logo descobriu que as suas economias de 5 anos pouco durariam na cidade Luz e para se aguentar até que “o seu momento chegasse”, como costumava dizer, procurou emprego na única área em que tinha alguma habilidade: cabeleireiro. A oportunidade surgiu quando durante um casting a cabeleireira da agência elogiou o seu penteado. Quando soube que a própria Flamba tinha criado o seu penteado, a cabeleireira convidou-a imediatamente para ser sua assistente.
A criatividade e habilidade com que lidava com todo e qualquer tipo de cabelo fizeram com que fosse promovida em tempo recorde, em menos de seis meses era a chefe de cabeleireiros da agência. No ano seguinte abria a público o Flamba’s, o cabeleireiro mais concorrido de todos em toda a cidade. Os anos que se seguiram foram de trabalho árduo e intensivo, anos em que era o único cabeleireiro a abrir aos domingos, e o único que atendia a primeira-dama e as estrelas de cinema do país “come il fout”.
Chegou a ser convidada para trabalhar com a produção internacional do filme “o quinto elemento”, mas teve que recusar para honrar os seus clientes. O seu espaço produziu cerca de 30 capas da Vougue e da Elle, a própria Flamba tornou-se referencia e concedeu várias entrevistas a essas e outras revistas e aos principais jornais televisivos do país. Flamba era chamada de rainha do pente e da tesoura e tratada com tanta reverência no mudo dos cabelos como Anna Wintour era tratada no mundo da moda.
Nesse turbilhão que era a sua vida profissional ainda houve tempo para um casamento, com um empresário do mundo dos cosméticos, três filhos, duas meninas e um rapaz. Flamba foi feliz por 15 anos, tinha uma vida preenchida nos dois campos, embora passasse mais tempo no trabalho. E finalmente ia levar a família para conhecer a sua terra natal. Correu tudo bem, conseguiram uns dias de férias no verão e embarcaram.
Eles nunca chegaram ao seu destino, o avião em que iam despenhou-se no mar. Todos os noticiários de França e de Lugarelhos fizeram cobertura do acidente. As duas nações choravam amargamente a sua perda. Uma família inteira, varrida do mapa assim, sem mais nem menos. Ao fim de três meses pararam as buscas e eles foram dados como mortos, nem corpos houve para enterrar. Criaram um monumento a Flamba nos dois países.
É uma história feliz com um final triste, bem sei. Mas a vida não é uma história, e não se pode prever o que ela nos reserva. É necessário que façamos uma análise à nossa história e que tentemos ainda que sem sucesso adivinhar o nosso futuro. Porque poucos podem ser como Flamba e ter uma vida marcada por sucessos e momento felizes se não há trabalho, nem esforço. É preciso que nos esforcemos para que quando for a nossa vez, tenhamos feito história e não sejamos esquecidos ao fim de 3 meses, juntamente com os destroços de um avião ou de um barco.
Uma história em memória das várias pessoas que vêm perdendo a vida de maneira tão inesperada e brutal, seja em quedas de airbus no meio do oceano Índico, seja em naufrágios como o do Theresse", ao largo da nossa costa. E como não podia deixar de ser, rendo aqui também a minha mais sentida homenagem ao rei da música pop, Michael Jackson.