domingo, 28 de outubro de 2012

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terça-feira, 27 de março de 2012


As vezes
As vezes o corpo está aqui mas a cabeça não
As vezes nem sei, mas meto os pés pelas mãos
Faço o que devo e o que sei, a partida, que não
Sou em parte airoso gigante e ardiloso anão

As vezes eu queria não ser eu, não ser eu
Eu queria ser ele, ela, Maria, Abreu
Perder o equilíbrio que sei lá quem me Deu
Fugir da luz, andar, correr, voar para o breu

As vezes eu queria não ser assim, forte
Queria poder naufragar meu próprio bote
Maldizer o ser que me deu tanta sorte
Ceifar a vida num único e firme corte

As vezes ser eu é demais, é mais que pesado
As vezes eu queria voltar lá, para o passado
Queria não ter um presente tão atinado
Queria não ver o futuro a partida desenhado

As vezes, as vezes.

27.03.2012
Aoaní d’Alva
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quinta-feira, 15 de março de 2012

Amor já não é o que era

canstockphoto.com.br
José entrou sorrateiramente no prédio onde Maria trabalhava. Cumprimentou discretamente a secretária e foi seguindo em direcção da sala da namorada. Bateu a porta e esperou depois do “entre”. Como ninguém entrasse a moça levantou-se e foi ela mesa abrir a porta, reclamando com os seus botões. Quando abriu a porta com uma certa rispidez, Maria ficou boquiaberta. Lá estava o seu namorado de quatro anos a segurar um carrinho de mão cheio de rosas vermelhas. Era dia dos namorados. Bonita a cena não é? Meio lamechas, hão de dizer alguns, muito romântica dirão outros. Eu digo: triste. Acho tudo muito bonito, mas profundamente triste. O ser humano perdeu de tal maneira a noção do normal, das demonstrações espontâneas de amor e carinho que até para ser romântico extrapola. Mais do que mostrar ao companheiro o que sente, o objectivo passa a ser mostrar aos outros como é grande esse sentimento. Patético. Parece-me que a noção que as pessoas agora têm do próximo está muito ligada ao slogan publicitário da Unitel, “o próximo mais próximo”. O próximo na verdade começa a estar distante. Imbuídos de um espírito consumista desenfreado, os relacionamentos começam a pautar-se pelo eu tenho, eu dou, eu consigo. E tudo é precedido do eu. As pessoas namoram consigo próprias, com a imagem que têm de si. O dia das namoradas – sim, porque aparentemente só elas recebem ou esperam receber presentes, deveria chamar-se dia do comércio. Assim como o Natal e os dias dos pais. Gestos simples como trazer uma flor do jardim da praça (também já quase não há jardins), porque se lembrou da namorada, ou telefonar ao namorado sem ser para pedir, escasseiam. Datas especiais perderam o seu simbolismo para se tornarem grandes points comerciais. As pessoas parece que guardam meses de relacionamento para serem comemorados e exaltados num único dia. Passam o ano todo sem darem flores ou presentes, 12 meses sem beijarem-se ou abraçarem-se em público e num único dia querem fazer tudo! É a correria às lojas, os ursos de pelúcia para cá os ramos de rosas para lá, bancadas montadas nos passeios a vender e embrulhar presentes em papéis com desenhos de corações… Acho chato. Ah! E nessa altura todo mundo diz “amo-te” ou “eu te amo”, conforme as vontades e os sotaques. Seria bonito se a expressão não se tivesse banalizado tanto. As pessoas falam de amor com uma velocidade supersónica. Conheceu ontem, já ama hoje. A palavra amor está tão banalizada que nos próximos dicionários devia vir com a seguinte discrição: “igual à ilusão, ou nada dependendo do contexto”. “O amor é fogo que arde sem se ver” já não funciona! Tem que se ver tudo muito bem, aos mínimos detalhes. Camões se fosse vivo faria versos com euro e choraria pela falta de zeros na conta bancária. O amor já não se constrói, compra-se, de preferência em dinheiro vivo para mostrar o poder aquisitivo. “Um amor e uma cabana” também só resulta se a cabana tiver uns quatro quartos com casa de banho privativa. Antes vendia-se o corpo, hoje vende-se tudo, a alma, a moral, a dignidade o amor… Um dia desses hão de se lembrar de fazer saldos, “amor e dignidade 50% de desconto”. No tempo dos meus avós os relacionamentos eram sérios, senão, não eram relacionamentos. As pessoas “ficam” ou curtem”, têm relacionamentos abertos, casamentos abertos! Eu acho que nasci no século errado… É certo que no tempo dos avós, havia muitos casamentos à três ou quatro. A “outra”, não é uma invenção do Matias Damásio, mas a coisa pelo menos pretendia-se secreta, naquela altura. No tempo dos pais, eles mandaram lixar o secretismo e escancararam a coisa. Ter duas famílias deixou de ser tão absurdo, mesmo que a pessoa não tivesse condições de sustentar se quer uma. E a mulher que resolvesse separar-se? Bem… não fica bem à uma senhora reproduzir a lista de nomes que lhe eram atribuídos. Só garanto que não eram elogios gentis. No meu tempo então, oficializaram a infidelidade, cantaram hinos à tal “outra”. Vangloriam-se por serem as próprias… E eu preocupo-me com a geração que aí vem. O que será deles? Não sei. Só sei que o amor já não é o que era.
NJ 213

quarta-feira, 14 de março de 2012

Expátria amada

Conheço e vou conhecendo vários expatriados. Alias… conheço várias pessoas que não sendo angolanas, escolhem Angola, principalmente Luanda, para viver. Pelas mais variadas razões. Eu própria o fiz, nada contra. O que realmente me levanta sérias reservas é a condicionante do “expatriatismo”. Em Angola há três tipos de estrangeiros, os ilegais, os legais “normais” e os legais expatriados. E dentro dos expatriados há os que só são estrangeiros e os que também são angolanos.

Os expatriados “normais” são os que sendo estrangeiros vêm para Angola com visto de turismo ou trabalho e vão saindo e entrando no país para regularizar a sua situação. Os Expatriados angolanos são aqueles que apesar de possuírem também a nacionalidade local, preferem valer-se da estrangeira para exigir certas regalias negadas aos demais.

Não acho errado haver estrangeiros em Angola, seria no mínimo estranho, na minha condição, esse pensamento. Na verdade acredito que países que sabem lidar bem com as questões migratórias costumam extrair bons dividendos delas. Até porque outras culturas sempre nos trazem novas formas de ver o mundo e novas maneiras de agir perante ele. Se conseguirmos absorver só as coisas boas, tanto melhor.

O que eu realmente acho pouco certo é essa coisa do expatriado. Quando se vai ver o significado da palavra, quase todos os dicionários apontam sinónimos como degredado, desterrado, exilado, proscrito, deportado ou banido. Hora, todos estes substantivos são meio depreciativos e fazem pensar numa viagem forçada, realizada a contra-gosto. Desterro sugere a minha memória, criminosos a serem enviados da metrópole para a colónia como forma de castigo.

Bem, se as viagens são forçadas, não se nota! Os expatriados que eu conheço nacionais e internacionais, pretos, brancos, verdes ou amarelos, têm todos uma coisa em comum, estão cá por vontade muito própria! E fora uma ou outra reclamação ingrata quanto ao calor, ao trânsito e as gasosas, estão felizes. Recebem, na maioria das vezes, salários entre o alto e o astronómico, não pagam casa, têm transporte e direito há pelo menos duas viagens por ano.

Contava-me uma amiga expatriada há dias que tinha pena de uma colega que era nacional. Ela, expatriada estrangeira, tinha carro atribuído pela empresa e mesmo assim, se chegasse meia hora atrasada, que ninguém lhe dizia uma palavra sobre o assunto. De qualquer forma sempre podia alegar que fora culpa do engarrafamento infernal da cidade. Resultava sempre.

Com a colega nacional a coisa era outra, além de não receber lá grandes coisas no fim do mês, ainda era severamente censurada se chegasse atrasada. Com pena da colega nacional, a amiga expatriada lá se decidiu a dar-lhe boleia, já que a outra vivia na sua rota para o trabalho. Ewê! Makongo! A outra quase foi demitida e proibiram-na, isso mesmo, proibiram-na de apanhar boleia outra vez com qualquer expatriado, para que não se atrasasse!

A minha amiga sentiu-se muito triste, claro está. Agora ter que deixar a moça amanhar-se com os dois ou três táxis necessários para chegar ao trabalho fazia-lhe realmente muita pena. E ponto, acabou aqui a história. Qual falar com os patrões e chamar-lhes a razão? Qual acordar um bocado mais cedo para poder dar boleia a moça. Nada. Mas que fique claro que ela sentiu muito.

O que me deixa mesmo lixada nessa coisa do expatriatismo, sim porque já se tornou uma teoria, uma ciência! Dizia eu, o que me irrita realmente nessa coisa toda, é essa de virem, com todas as regalias e vantagens possíveis e não darem nada em troca. E digo nada, porque deixar o trabalho feito não leva a nada. Se não transmitem o seu “know-how”, fica-se sempre a depender deles.

Se há uma coisa que o expatriado, na maior parte do caso tem fobia, é em passar conhecimento. Alegam de tudo, que as pessoas não aprendem, que não vale a pena, só eles dominam a coisa, mas a verdade é que não passam o tal saber. A história de em vez de dar peixes, ensinar a pescar, aqui não tem lugar. Os locais só servem para serem mandados.

Outrora andavam aí a cantar a pátria amada e a fazer contas aos dias que faltavam para o regresso, hoje as contas continuam mas as músicas, essas vão para a expatria amada…


NJ 212

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Síndrome esclavagista

Fui no início da semana à uma embaixada, que agora não interessa para nada mencionar qual foi. Precisava de algumas informações que só os serviços consulares poderiam fornecer, por isso despachei-me o mais rápido que pude para lá tentar chegar antes das 12h00, hora em que normalmente se encerram tais serviços. Por mais despachada que eu tenha sido, a verdade é que quando cheguei ao lugar, já 15 minutos se passavam das 12h. Mesmo sabendo disso abeirei-me do guarda e pedi gentilmente que me deixasse entrar, pois precisava com alguma urgência daquelas informações. Ele recusou-se prontamente a mexer uma palha que fosse. Um colega, depois de alguma insistência da minha parte, lá resolveu ajudar. Enquanto o colega ia “lá para dentro” perguntar se ainda era possível atenderem-me, chegou um senhor, que educadamente pediu o mesmo favor. Como me encontrava de costas viradas para a cena, quase tive um torcicolo, tamanha foi a rapidez com que me virei. O guarda pouco prestativo de momentos antes tinha suavizado a voz, tornando-a até simpática, para dizer ao sujeito que podia aguardar pelo colega que tinha entrado. “Espere aqui nesta sombra”, acrescentou ainda o guarda, no auge do seu momento «Miss simpatia». A minha surpresa no entanto perdeu razão de existir quando olhei para o senhor em questão. Na cabeça do guarda, um único aspecto distinguia-o claramente de mim. Aliás, distinguia-o é pouco, punha-o acima de mim. O senhor em questão era “caucasiano”. A surpresa desapareceu para dar lugar ao choque. Alguns dirão que já nem me deveria espantar e muito menos chocar, dado que situações desta natureza já fazem parte do quotidiano africano. São capazes de ter alguma razão quanto a constância da coisa, mas eu recuso-me a ver tal facto com naturalidade. Não pode ser considerado normal, tratar alguns seres humanos como superiores à outros! Se não os aliados teriam deixado Hitler continuar nos seus mandos e desmandos em nome de uma raça superior! Não posso com certeza ver com descaso, pessoas serem admitidas em alguns postos de trabalho, por exemplo, em função do tom de pele em vez de prevalecer o critério da competência. Ninguém me pode fazer compreender isso como algo normal! Não só não é normal como está errado. E acontece não só aqui, como em boa parte dos países africanos, por mim visitados. Os africanos negros parecem não notar que a escravatura acabou. Parece que não sabem que os seus países deixaram de ser colónias ultramarinas e que há muito se mandou lixar Salazar e os seus seguidores. Os negros africanos ainda temem o “homem branco”, ainda são subservientes, temerosos. E o que teme eles? Não sei. Talvez, mal habituados que estavam ao seu canto no fundo da sanzala, mesmo mudando-se para a casa grande, não se sintam ainda confortáveis em usar talheres de prata. Ou pior ainda, volvidas algumas décadas, talvez se sintam usurpadores da terra recuperada e a queiram entregar de volta. Talvez a reacção de hoje seja só um reflexo automático, depois de muitos anos a baixar a cabeça, sendo servil. Talvez muitos de nós tenhamos incorporado na mente uma espécie de síndrome do ex- escravo. São questões que talvez os sociólogos possam explicar, questões que, mesmo não as sabendo explicar na sua amplitude, preocupam-me seriamente. Porque enquanto as coisas continuarem assim, vamos continuar a ouvir absurdos como “ser preto ou branco faz toda a diferença porque os brancos são melhores que os pretos”, como certa vez ouvi. Outros hão de dizer que sou racista. Não sou. Não tenho nenhum ódio ou ressentimento contra o branco, o vermelho ou o amarelo. Não separo as pessoas por cores, alias, tento não separar as pessoas mediante critério algum. Pessoas são pessoas e ponto final. NJ 210