quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O dia em que eu não devia ter saído da cama

Há dias em que, realmente o melhor é não sair de casa. Dércio acordou bastante mal humorado, depois de uma noite mal dormida. Motivo? Os vizinhos da frente alugaram o quintal, como já começava a ser hábito, aos jovens da rua, que deram uma das suas festas de arromba! As festa deles já começavam a ser conhecidas além do bairro, vinham pessoas dos arredores e pelo que parecia começavam a vir de outras paragem mais distantes.
Até aí tudo bem, afinal ele também tinha organizado e participado de muitas festas assim “no seu tempo”. O problema era que as suas festas eram feitas durante o fim-de-semana, não a quarta e a quinta-feira como esses jovens faziam! Eles saíam do espaço as seis ou sete da manhã porque só tinham aulas a noite, mas a essa hora já ele e a mulher tinham que estar a caminho dos respectivos trabalhos, depois de terem deixado os miúdos na creche.
Voltando ao dia mau, aquele começou assim, praticamente sem acabar o outro já que eles quase não tinham dormido. A água do tanque acabou assim que as crianças se banharam. O açúcar e a manteiga acabaram. Mas as coisas lá se ajeitaram de uma maneira ou de outra. Lá se tinha usado mel, margarina e o chá fora feito com água potável. Quanto ao banho… bem, sempre havia os bidons de reserva!
Por causa dos imprevistos, a hora em que finalmente se puseram a caminho, quase não conseguiram sair de casa porque a rua já estava engarrafada. O percurso até a rua principal que levava normalmente cerca de cinco minutos levou meia hora. “Ah! Uma vaga em frente ao colégio”, alegrou-se Dércio. Mas a alegria durou pouco e numa questão de segundos um jovem com ar displicente e óculos escuros enormes na cara (provavelmente a esconder a ressaca ou só por “banga”, pois a luz do sol ainda não era suficientemente forte), deu-lhe “m’baia”.
Enquanto praguejava entre dentes, por causa das crianças, o casal ficou a ver o tal rapaz estacionar o seu modelo top de gama só com uma mão (a custa da direcção assistida), sair da viatura e passar por eles a assobiar. Como diriam os rapazes lá da rua: tipo nada! Uma vez perdida a vaga, fez-se uso dos rotineiros intermitentes e lá teve Ana Raquel que tirar as crianças do veículo a toque de caixa! Claro que não houve tempo para muitas despedidas, a mãe acompanhou muito rapidamente os rebentos ao portão e voltou a correr para o carro.
Os automóveis atrás já buzinavam impacientes, os outros motoristas quase saíam para bater boca. Embaraçado Dércio acelerou ao mesmo tempo em que soltava um “dasse!”, agora em alto e bom som. Como a esposa lhe fizesse cara feia ao palavrão, ele lá se justificou: era um escape para o stress. Não muito convencida ela lá anuiu, resmungando qualquer coisa sobre psicanalistas e consultas.
O bom era que os dois trabalhavam na mesma rua, o pior era que essa rua era a Rainha Ginga e depois das 8h30 era praticamente impossível encontrar lugar para estacionar. Deram mais de três voltas aos quarteirões onde ficavam os seus trabalhos e quando se preparavam para ir procurar espaço na marginal, surpresa! Encontraram um lugar, mesmo em frente á Igreja da Nossa Senhora dos Remédios, deixaram-no aí. O lugar não era propriamente o melhor para estacionar, mas com apressa… Ao fim da tarde, depois de um dia exaustivo para os dois, lá estavam eles dentro do taxi, com os filhos a espera no portão da escola. O carro tinha sido rebocado.
Realmente há dias, em que é melhor nem sair da cama.

NJ 143
Aoaní d’Alva

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