quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Uma carta para si


Querida Leninha,

Espero que estas curtas linhas te encontrem de boa saúde. Eu por cá vou bem, a mãe e a tia continuam bem e começaram finalmente a praticar natação.


Lembram-se? As cartas costumavam começar de maneiras similares a esta. Chegavam com notícias alegres de pessoas distantes, ou outras nem tão felizes assim de pessoas mais próximas. As pessoas escreviam para familiares e amigos, só para dizer “olá, saudades tuas”.
Eram cartas de amor, de amizade e até de desafecto, onde as pessoas expressavam os seus sentimentos, contavam as novidades ou pediam favores. Sempre gostei muito de receber e escrever cartas, ainda hoje fico feliz por receber uma carta. Só é pena que essa felicidade dure tão pouco, pois os envelopes que recebo hoje são maioritariamente portadores de contas!

Muitas cartas escrevi eu nos tempos da escola, para as tias que moravam em Portugal., para a irmã e os amigos que ao fim de algum tempo também acabaram por se mudar para lá, para um ou outro professor doente. Lembro-me que antes de uma carta haviam sempre dois ou três rascunhos, porque o primeiro era mostrado a mãe para que se corrigissem os erros, e os outros eram as tentativas de tecer uma missiva perfeita, sem letras tortas ou borrões.

Ah! E havia também os amigos por correspondência! Pessoas que nunca chegamos a conhecer pessoalmente, mas com quem trocávamos ideias, a quem mandávamos fotos e pequenas lembranças. Tive 4 ou 5, todos de Portugal, porque a língua era um factor condicionador. Alguns “conheci” por intermédio de amigos, outros porque encontrei o endereço em alguma revista chegada a São Tomé com meses de atraso.

Hoje essas cartas são meras recordações, guardadas numa caixa de sapatos, ou esquecidas em alguma gaveta bolorenta. As pessoas não mandam mais cartas, escrevem emails ou mensagem de texto pelo telemóvel. Grandes distâncias são vencidas por pequenos cliques! E aos poucos esquecemo-nos de como se usa o papel e a caneta, até os trabalhos da escola são entregues “batidos” no computador.

Há anos que não vemos um carteiro em São Tomé e Príncipe. Alias, eu não me lembro de ter alguma vez visto um, desses de farda e a bolsa cheia de cartas, nas ilhas maravilhosas. Talvez por ter tão pouca idade (e aí o “pouca” depende efectivamente de quem lê!). Sei que antes da independência eles existiam, mas parece que nos emancipamos deles também!

Nós embrenhamo-nos tanto pelos caminhos da informática que acabamos por perder certos laços e entregarmo-nos aos braços da solidão cibernética. Chegamos a uma época em que as pessoas sentem preguiça de mandar um postal quando vão de férias, mas não sentem cansaço nenhum depois de passarem mais de 5 horas em frente ao computador ou depois de trocarem mais de 100 SMS (Short Message Service- serviço de mensagem curta por telemóvel) com os amigos.

Não quero com isso dizer que o progresso é maligno, longe de mim uma afirmação dessas! Quero dizer que devemos prestar mais atenção ao homem, pois a máquina veio para ajudar, não para atrapalhar as relações interpessoais. Claro que é óptimo saber notícias da família a qualquer hora, ou “reunir” pessoas em pontos distantes do globo para uma reunião via videoconferência.

São facilidades que aceleram os processos de comunicação e nos fazem ganhar tempo numa altura em que ele é dinheiro. Mas e aonde ficam os pequenos detalhes como perceber que alguma coisa está mal, só de olhar para a cara do amigo, se vocês só se “falam” por SMS? Onde fica o sentimento de vitória que vem depois de demorar meia hora para perceber que afinal era um F em vez de um J? Onde ficam as emoções, os sentimentos? Provavelmente perdidos na rede quando a caixa de correio está cheia, ou o telemóvel está desligado. E desejando que descanse em Paz, peço perdão ao actor Raul Solnado para o mudar a sua célebre frase: “ façam o favor de escreverem uma carta!”


E Assim sem mais me despeço querida amiga, sempre com votos de que as coisas continuem a correr-te muito bem.

PS: parabéns pelas recentes conquistas!

Beijinhos,

Aoaní d’Alva.

É boato!

Como chefe de contabilidade, Filipe chegou ao trabalho pontualmente as 8 horas. fez tudo o que sempre fazia, verificou os email, participou da reunião de chefes de secção, as 10 ligou a mãe, e ao meio dia e 45 foi almoçar. Ele era assim, programado ao mais pequeno pormenor. não chegava atrasado a lugar nenhum, e quando acontecesse algum imprevisto, tratava de avisar com urgência as pessoas que pudessem estar a sua espera.
Educado ao extremo, e completamente reservado na sua vida pessoal, Filipe sempre foi alvo de curiosidade
por parte dos colegas. Sempre houve, principalmente por parte das senhoras muito interesse por escrutinar o Filipe além do trabalho. todas as tentativas no entanto foram falhas. Nos quase três ano em que trabalhava na firma, nunca tinha saído com nenhuma das moças que tão abertamente se a tiravam em seus braços, e podia-se contar pelos dedos de uma só mão as vezes em que tinha ido beber um copo com os "rapazes".
Todo esse secretismo em vez de afastar os curiosos só os fazia crescer mais em torno de Filipe. No inicio do segundo ano de trabalho começaram a surgir boatos de que ele era gay. Alguém da empresa que tinha um amigo que conhecia alguém que tinha um primo que conhecia o suposto namorado do chefe da contabilidade, fez circular a "notícia". Uma semana depois já se falava na possibilidade dele ter contraído a sida.
Dois meses depois de começar o falatório, Filipe foi chamado pela direcção da empresa para que esclarecesse as duvidas que se levantavam. Ultrajado recusou-se a responder ao que lhe parecia um abuso de poder. Questionou a autoridade dos chefes sobre a sua vida privada acusando-os de intromissão, e asseverou que caso fizessem mesmo questão de invadir a sua privacidade, poria o seu cargo a disposição de outrem.
E foi o acender do rastilho para o barril de pólvora. No mês seguinte toda a cidade "sabia" que Filipe era gay e que definitivamente tinha sida, porque só os gays possuíam essa doença. Enquanto se discutia em praça pública a sua vida, Filipe travava na sua intimidade outra batalha. A mãe fora despedida por causa da fofoca, Rachel, jovem extremamente religiosa, moradora de uma cidade vizinha com quem esperava casar, também ouvira os dumores e rompera o namoro secreto que vinham mantendo a mais de 3 anos.
Para completar o quadro, surgiu o boato de que o jovem vinha desviando verbas da empresa para uma conta num paraíso fiscal. Foi suspenso das suas funções para que se averiguasse a procedência das informações.Então Filipe sentiu o mundo desmoronar em cima da sua cabeça, teve um esgotamento nevoso e entrou em surto psicológico. Hoje está internado no hospital psiquiátrico da cidade, nunca mais voltou a si.
Os boatos, as fofocas, os rumores e os mexericos pertencem todos a mesma categoria: noticia sem fundamento, veiculada publicamente com o principal objectivo de causar dano de algum tipo, quanto mais não seja, chamuscar de leve a reputação de alguém.
Ora, depois de saber que há pessoas como o ex-ministro da agricultura japonês,Toshikatsu Matsuoka, que não aguentam a vergonha e o ultraje que essas acusações acalentam para si e para os seus e acabam por tirar a própria vida, temos que concordar que as vezes esses rumores fazem mais do que chamuscar de leve, eles chegam a queimar por completo uma vida.