segunda-feira, 29 de março de 2010

Uma nova estrela no céu

Dizem que as estrelas morrem e deixam de brilhar no firmamento. Hoje sei que acabamos de presenciar o processo inverso. Apagou-se entre nós aquela que era sem dúvida uma estrela de saber, de conhecimento e história, não só do seu país mas de uma variedade assombrosa de outras coisas. Alda Espírito Santo, figura presente na vida de todo o são-tomense, em particular, de uma maneira ou de outra, quanto mais não seja, nas palavras sublimes que compõem o hino daquele arquipélago, e de todos os africanos no geral, pela sua participação directa nos momentos de emancipação na era colonial, deixou-nos.
Dizer que a sua partida nos deixou no escuro, não seria digno da sua personalidade tão activa, tão radiosa e participativa. Acredito mais na teoria de que ela mais não fez do que ascender à um outro patamar. Hoje ela brilha entre os seus pares semelhantes, fontes constantes de luz no breu que chega aquelas ilhas depois das 18 horas.
Sempre foi difícil dizer adeus, sempre. Mas esse é certamente um adeus especial. Como dizer adeus à um pedaço da nossa própria história? Como abrir mão de pessoas que sempre estiveram presentes de alguma maneira? “Há pessoas que não deveriam morrer”, ouvi várias vezes dizerem sobre a morte dessa senhora.
Nos seus últimos dias, Dona Alda ainda tinha a luz da lucidez e o brilho da inteligência aguçada que sempre lhe foram peculiares, sempre. Foram visita-la algumas amigas. Reconhecia e chamava as pessoas pelo nome, “claro que me lembro desta nossa amiga!”, reagiu quando alguém achou por bem refrescar-lhe a memória. Falava de problemas e coisas que tinham acontecido, inqueria soluções, queria saber dos filhos, das suas notas ou dos seus cursos.
Mas era um falar lento, demorado no entrecortar ofegante de uma respiração já cansada, que anunciava algum erro na escrita daquele poema. Muitas vezes calada interrogava só com o olhar, aquele olhar que penetrava na alma e tinha o poder de fazer confessar qualquer travessura. Era um olhar carregado de sabedoria, uma sapiência humilde, de quem viveu muito mas nem por isso se endureceu ou empobreceu espiritualmente. Ela era acima de tudo professora, ensinava mesmo quando estava calada, porque o silêncio também fala. Era uma biblioteca que fazia questão de ser consultada, procurada, ouvida.
No decorrer daquela que seria sua última visita recebida, quando permanecia calada há já alguns minutos recuperando o fôlego de uma pergunta que havia feito, entrou um médico. Ele foi simpático com ela, brincou um pouco para descontrair, porque já a essa altura ela estava na defensiva. Tinha razão de o fazer, pois momentos depois, o médico disse-lhe que achava melhor mudá-la “lá para baixo” para a UTI.
“Deixem-me cá estar, porque é que me querem tirar as minhas visitas?” foi a resposta pronta de D. Alda. Ela sabia que era uma viagem sem regresso, e queria despedir-se, estar presente quando os reais amigos a visitassem. Foram cinco ou seis minutos em que ela argumentou com aquele jovem, visivelmente preocupado com a sua saúde. “eu vou lá para baixo amanhã, deixe-me estar aqui só hoje”, continuou a dizer ela.
Era uma pessoa que se costuma obedecer quase por instinto, mas dessa vez até as amigas foram “contra” ela. Quando viram que o médico começava a esmorecer na sua posição, apoiaram-no. “Camarada presidente, nós estamos mesmo de saída e também achamos que deve ir lá para baixo ver essa respiração” “voltamos amanhã e vamos vê-la onde estiver”, frases ditas com segurança para a acalmar, mas que só escondiam o medo que todos sentiam de a perder.
Saíram do quarto, deixando a D. Alda ainda a resmungar sobre mudança, embora já tivesse concordado com ela. Foram pelo corredor conversando sobre amenidades, ninguém querendo falar sobre o obvio. No andar de baixo encontraram a melhor amiga da enferma, companheira incansável e inseparável. D. Maria Alves vinha apressada, tinha ido a casa buscar qualquer coisa, mas voltava rápido para junto da amiga. Quando as viu abrandou, agradeceu a visita e perguntou pela amiga. Quando foi informada de que a levariam para a UTI, cambaleou, assustou-se tremendamente. Tentaram tranquiliza-la, dizer que era um processo só preventivo, mas ela não se convenceu. Tiveram que subir outra vez para ampara-la. Deixaram-nas no andar de cima, as duas tendo que lidar com os seus medos. Dois dias depois Dona Alda deixou-nos. Uma das amigas lembra-se com pesar do momento em que ela lhe havia pedido um beijo, “ela estava a despedir-se, ela sabia”. Também acredito que ela soubesse. Mas como lutadora que sempre foi, não fez alarde, não se imbuiu do espírito de auto-compaixão que se vê principalmente nos sãos. Morreu como sempre viveu, digna, livre, combatente.

NJ-113

Ana Carolina - Arrasa Cine Atlântico

A cantora brasileira Ana Carolina esteve na passada semana em Angola. Depois de um espectáculo na Casa 70, no dia a artista cantou também no Cine atlântico, no passado sábado, 06. Com bilhetes vendidos à seis mil kwanzas, a sala de cinema encontrava-se cheia as 21h15 quando a cantora deu inicio ao show. Alguns minutos depois algumas pessoas ainda continuavam a chegar, apressadas, mostravam o bilhete e entravam. Foi o caso do casal Fredy Costa e Yola Araújo que passou a correr pelos seguranças.
Grande parte dos presentes no show são brasileiros, que entusiasmados gritam: “linda, gostosa!”
Tanto angolanos como os irmãos vindos do outro lado do oceano acompanhavam, uns mais afinados que outros, a cantora em todas as músicas. Enquanto a maioria das pessoas permanece sentada, abanando-se com leques oferecidos a entrada do espectáculo, umas poucas se levantam nas laterais da sala e vivem o show em pé. De repente uma fã mais afoita levanta-se e correndo, sobe ao palco montado com pouca elevação, onde abraça uma Ana Carolina que não se desfaz, retribui o abraço, mas não para de cantar.
Antes mesmo que os seguranças cheguem a moça retira-se do palco, sorriso aberto no rosto, rapidamente se junta as amigas com quem comemora com gritinhos e saltos, como se tivesse cruzado o oceano a nado! Medalha de ouro pela ousadia e por ter conseguido realizar a peripécia sem ser apanhada.
Clamores vão se levantando todas as vezes em que a cantora começa uma musica, ou se levanta para cantar mais a frente no palco, sem a guitarra. Mais duas fãs sobem ao palco, uma delas uma menininha que aparentava ter cerca de 7 anos. Dessa vez mais atentos os seguranças chegaram a tempo de separar fãs e ídolo.
A plateia a princípio tímida e bem comportada vibra juntamente com Ana Carolina ao som de “Vendedor de flores”, todos cantando a plenos pulmões as estrofes da versão brasileira da música de James Blunt. Quando o público entrava finalmente entrava em êxtase total, a cantora anunciava a sua última musica: Elevador. Aí então se deu a catarse geral, com a plateia a levantar-se toda de uma só vez e a rodear o palco baixo, procurando que a cantora lhe desse atenção.
Ana Carolina não se fez rogada, e enquanto soltava a voz soltava também os braços, cumprimentando as pessoas mais próximas à si. Depois de terminada a música, a artista saiu do palco, debaixo de um desesperado brado de “só mais uma”, repetido por várias vezes. Atendendo ao chamado dos fãs, a cantora regressou com “garganta”, ao fim da qual agradeceu carinhosamente (levando a mão ao peito), a atenção do público, fez a vénia com os elementos da sua banda e retirou-se, desta vez definitivamente. “ Foi um show curto, mas valeu a pena, mesmo tão pouco” comentava um amigo com o outro.

NJ 112

Pintos - Cocktail bar e Restaurante

Tem pressa e quer comer alguma coisa rápida, ou quer tomar um copo com os amigos e por a conversa em dia? O Mutamba sugere-lhe o Pintos, Cocktail Bar. Com uma decoração elegante, sem deixar de ser aconchegante, o espaço convida a ficar sempre mais um bocado. Uma mistura entre o tom suavemente perturbante do roxo e o calmante do castanho da madeira, contornam as pequenas mesas a um canto, cadeiras e mesas de pé alto na linha do balcão do bar.
No vão da escada, onde deveria se fazer sentir o vácuo, figura uma jux box, dessas que se via nos filmes americanos do velho oeste. O cliente pode escolher uma música ambiente enquanto degusta um conhaque ou um vermute. Se for degustar uma sandes mista, vai pagar 840 kwanzas. Mas se optar por uma salada grega ou por uma omoleta de gambas, terá que pagar 1500 ou 2980 kwanzas, respectivamente.
Em termos de bebida, há para todos os gostos, com ou sem álcool. O cocktail Cinderela por exemplo, é uma mistura de sumo de laranja, limão e ananás, sem álcool. Se for amante de bebidas mais espirituosas, o barman pode oferecer-lhe um cocktail Calundula preparado com sumo de laranja, maracujá e vodka.
Quer provar o Bacalhau à Pintos, uma posta desse peixe, recheada com presunto, assada no forno com molho de gambas e acompanhada com batatas coradas? Por 4.030 kwanzas, poderá faze-lo numa sala forrada com painéis de madeira intercalados com superfície espelhada, o que lhe dará um ambiente intimista e ao mesmo tempo arejado. Decoradas com toalhas nas cores branca e salmão, as 11 mesas do restaurante são altamente concorridas, sendo aconselhável fazer-se reserva com pelo menos um dia de antecedência.
Comeu peixe a semana toda e apetece-lhe antes um prato de carne? Experimente o Tornedo com cogumelos, um bife de lombo alto, confeccionado na frigideira com cogumelos e molho de natas. Para acompanhar: batas fritas e legumes salteados. Para beber, a carta de vinhos apresentada pelo restaurante oferece várias possibilidades, com garrafas de 750 e 375 ml, vinhos portugueses, franceses, chilenos e sul-africanos.
Quando passar para a sobremesa, ficará deliciado com os dois carrinhos existentes para esse efeito. Um com queijos de vários tipos e de várias origens e o outros com os doces que vão das trates às mouses, passando por semi-frios e gelados. Cada dia uma sobremesa diferente da outra, porque cada dia é um novo dia.
A sala reservada ao restaurante, situa-se no primeiro andar e foi projectada de uma tal maneira que faz um deque (uma espécie de varanda) sobre o bar e possibilita a quem está no andar superior vislumbrar quem se encontra na parte dianteira do rés-do-chão. Outra das mais valias do lugar é a ampla janela panorâmica, com vista para o esverdeado Largo do Atlético.

Publicada no NJ112

Mana Mwana

Mana Mwana sentou-se finalmente, cansada do dia e da vida. Ginga, Wisa e Ajene, seus três filhos dormiam placidamente, depois do banho tomado e do lanche comido. Ajene apesar de ser adoptado, sempre fora tratado como filho biológico. A mãe do menino tinha morrido à quase 6 anos, vítima de complicações no parto. A falecida era vizinha e amiga, e quando os familiares se recusaram a receber o bebé, por este alegadamente ser feiticeiro, Mana Mwana acolheu-o entre os seus. Era o “caçulê” da família, o mais mimado e o mais dócil também.
A decisão de adoptar o pequeno foi difícil, Zé Maria, pai das duas filhas que já tinha foi contra, disse que não estava para criar o filho dos outros. a família também objectou, afinal já era tão difícil cuidar das duas meninas, porquê arranjar mais dor de cabeça? Algumas amigas também questionaram a sua decisão, uma chegou a dizer: “assim é o quê? Vontade mesmo de ter filho homem? Faz embora o teu”. Embora a pressão fosse muita, Mwana não desistiu dos seus intentos. Ajene foi viver com a nova família alguns dias depois e estava lá até hoje.
Zé Maria, esse não estava mais com a família. Embora ele acusa-se a chegada do menino com o factor principal do seu afastamento, toda a agente sabia que ele tinha preferido ir morar com uma senhora abastada que lhe dava de tudo. Ele tinha até deixado o emprego de pedreiro, porque não combinava com a nova vida. Agora viva as custas da nova mulher e por isso mesmo nunca tinha dinheiro para dar aos filhos. Ou pelo menos era assim que Mana Mwana pensava.
Cansada pegou no pequeno espelho em cima da cómoda velha. Mas antes de reparar nos seus traços cansados e preocupados, olhou para o reflexo dos seus três pequenos, deitados na cama de casal, tranquilamente entregues ao mundo dos sonhos. “No que estarão a sonhar? Espero que com coisas boas” pensou. Depois lá se fixou em si mesma: começava a pesar a idade. Ao 41 parecia mais estar perto dos 50, semblante sempre franzido, umas quantas pinças em redor dos olhos.
Mwana vende roupa do Brasil no Roque. Nunca foi às terras do Lula, apenas trabalha por conta doutrem. A patroa é uma senhora de nome Rita, que além de pouco delicada também é aparentada com o Caim, muito agarrada aos bens materiais, secretamente apelidada de “ambi” entre as outras vendedoras. A rotinha da grande feira era pesada. Acordava antes que o sol raia-se, porque era nesse horário que as pessoas apareciam e levavam mais coisas. Todos os dias tinha que discutir com fregueses que só queriam levar numeração pequena das calças jeans. Ao almoço, comia sempre aquele macaiabo, feito em condições duvidosas. Mas o seu aparelho digestivo já estava blindado.
Quando saía do roque por volta das 12 horas, Mana ia ainda trabalhar como doméstica em casa de uma família cheia de “guito”, que morava na Sagrada Família. Ficava aí até as 17 e só então ia para casa. Até chegar ao Prenda, onde morava, levava mais um bom tempo por causa do engarrafamento. Apesar de estafada, em casa ainda inventava forças para brincar e ver os trabalhos da escola dos filhos. Conversava com a irmã de 19 anos que morava com ela enquanto preparava a comida para o dia seguinte.
Eram 4 bocas para alimentar, porque Mwana não queria que a irmã trabalhasse, para não atrapalhar os estudos. “Ela tem que ser doutora” justificava constantemente. Linda entendia as preocupações da irmã e esforçava-se ao máximo para ser a primeira em todas as cadeiras daquele primeiro ano de direito. Se corresse tudo bem ia conseguir uma bolsa de estudos e não mais sobrecarregar a mana.
Quando Mana Mwana se deitou nesse dia, já passava das 22h, tinha perdido muito tempo a pensar na vida. Apesar de cansada sentia-se feliz. Os filhos e a irmã estavam alimentados, bem cuidados e o mais importante: recebiam instrução e “seriam alguém um dia”.

Publicado na edição 111 do Novo Jornal