quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O peso de pensar diferente

“Isso não é para todas”, disse ela. Eu saí do meu devaneio matinal e olhei confusa para a farmacêutica. Ela percebeu a minha confusão e fez um gesto para a cabeça dela, enquanto repetia: “Isso não é para todas”. Olhei para o cabelo curto já com um sorriso de compreensão estampado na cara. “Muita implicância?”, perguntei eu. Ela concordou acenando com a cabeça e acrescentando: “a minha sogra então! Não está a conseguir aceitar”.

Nem a sogra nem as cunhadas pareciam achar piada a coisa. Ela não estava minimamente preocupada com “a família do marido”, como fazia questão de dizer. Para ela o facto de o esposo não ver nenhum problema no corte, era o suficiente. Depois de mais cinco minutos de conversa, fui despachada com um volte sempre (desta vez pareceu verdadeiro) e com um sorriso bem largo.

O encontro desta manhã veio reforçar, uma vez mais, a ideia de que a sociedade é muito machista e altamente contrária a quem pense e aja “fora da caixa”. É certo que há as mais variadas reacções, mas a maior parte das pessoas fica chocada quando a pessoa faz uma alteração deste tipo no visual. Mas a questão não é por exemplo mudar a cor do cabelo, optar por usar cabelo natural ou extensões.

Eu já fiz de tudo na cabeça, já fui até loira platinada com o meu cabelo natural, então eu sei por experiência própria: é diferente. Causou estranheza? Certamente, mas cortar o cabelo é sempre a mais difícil das mudanças de visual para as mulheres. Porque a sociedade patriarcal sempre resiste um pouco mais se a mulher assume nuances consideradas masculinas.  

Ficam nervozinhos se a menina não gosta de rosas, bâton e salto alto. Se ela gostar de verde, carros e botas então “WAWÊ”!! Isso porque alguém um dia decidiu que havia papeis sociais estipulados e que as pessoas deviam encaixar-se neles. Quem, como eu, não quer seguir o circuito “normal”, é taxado : pouco confiável, irresponsável, louco, anormal.

Bem, eu faço um esforço constante para sair sempre da caixa, pensar diferente, ver diferente, aprender diferente. É um exercício diário, estar aberto ao novo, ao desconhecido. Um exercício de não impor aos outros a minha verdade, o meu pensar, porque cada um é um caderno diferente, sendo preenchido de formas diferentes, com histórias diferentes.

Respeitar essas histórias sem perder o foco da minha, este é o meu objectivo na vida. Ser feliz sem atrapalhar a felicidade de outrem. E ser feliz passa por me aceitar como sou: faminta de novidades, inquieta, sedenta de acção, ração, confusão, mas também de momentos de calma de compreensão, evolução. Isso sempre ciente e respeitadora do mundo que me rodeia, complexo, rico, intenso.
 
 
 

 

 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Mania de imitar...


“Em França morrem 12 pessoas, todo o mundo chora. Na Nigéria morrem 2000 pessoas, ninguém se importa”. Mas esse espírito de gado vão buscar aonde? Porque é que têm que seguir alguém? Porque é que o mundo todo tem que se importar com os nigerianos que morreram? Porque é que temos que esperar que o mundo todo se importe para nos importarmos? Eu não sou Charlie e também não sou “todo o mundo”. Sou africana e é como africana falo.

Temos, sim - nós africanos, que parar com essa mania de mendigar. Mendigar atenção de uma Europa e de uma América que haja o que “hajar”, com crise ou sem crise, precisando ou não de nos invadir para ganhar o seu, está sempre em cima. Temos que parar de mendigar dinheiro e passar a gerir melhor o que temos, porque nós temos muito. O que não temos de petróleo, temos de diamantes, de ouro, prata e o que mais houver de minério.

E quando não há recursos naturais não renováveis, há os renováveis ou sustentáveis. O turismo é um exemplo. Quem não tem verde tem castanho, tem amarelo, alguma coisa tem. O que falta é investir a sério no maior capital que continente pode ter: capital humano. Todos os anos temos pessoas capacitadas deixando o continente e indo trabalhar (muitas vezes fora da sua área de formação) noutros continentes. Porquê? Porque nós não temos o básico: educação, saúde e segurança. Porque nós preferimos embolsar, desviar, extraviar as verbas que seriam investidas nessas áreas.

De resto, ficamos sentados a espera que nos venham dizer o que é melhor fazer com o pouco que temos e o muito que nos dão (emprestado). Porque mesmo quando apregoam que é oferta, a "tal filantropia", como cantou Paulo Flores, traz sempre uma conta que será cobrada em algum momento. “Não há almoços grátis”, costumavam dizer os estudantes de administração na faculdade. Eles estavam certos.

Entramos numa inércia tal que qualquer dia desses têm que nos vir dar banho. Ah, não. Banho, ainda conseguimos tomar… Banho de sangue.  Andamos a matar-nos uns aos outros em nome de um ser superior, um bem maior… Mas eu pergunto, se não conseguimos amar e respeitar um ser semelhante a nós, onde vamos buscar capacidade para amar e respeitar o ser imaterial e etéreo que andamos a apregoar, com o nome que lhe quisermos dar?

Nós devemos estar solidários com a dor da Nigéria porque a sentimos, como africanos que somos, não porque meio mundo se solidarizou com a França, o Charlie e etc. Deixemo-nos de imitações, de comparações e de reacções. Não devemos esperar que os outros façam primeiro para depois agirmos em conformidade (gosto bwé dessa expressão, é tão “oficial”). O que tem que mudar não é o resto do mundo em relação a nós, nós africanos é que temos que deixar de ser reactivos para passarmos a ser activos.

A tal independência pela qual muitos morreram não era para ser teórica, era para ser prática. Pratiquemo-la então. Sem esperar linhas mestras, sem imitar, façamos o nosso, criemos.
 

Bob Marley bazou mas deixou instruções:
"Emancipate yourselves Form mental slavery
None but ourselves can free our minds"