quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Síndrome esclavagista

Fui no início da semana à uma embaixada, que agora não interessa para nada mencionar qual foi. Precisava de algumas informações que só os serviços consulares poderiam fornecer, por isso despachei-me o mais rápido que pude para lá tentar chegar antes das 12h00, hora em que normalmente se encerram tais serviços. Por mais despachada que eu tenha sido, a verdade é que quando cheguei ao lugar, já 15 minutos se passavam das 12h. Mesmo sabendo disso abeirei-me do guarda e pedi gentilmente que me deixasse entrar, pois precisava com alguma urgência daquelas informações. Ele recusou-se prontamente a mexer uma palha que fosse. Um colega, depois de alguma insistência da minha parte, lá resolveu ajudar. Enquanto o colega ia “lá para dentro” perguntar se ainda era possível atenderem-me, chegou um senhor, que educadamente pediu o mesmo favor. Como me encontrava de costas viradas para a cena, quase tive um torcicolo, tamanha foi a rapidez com que me virei. O guarda pouco prestativo de momentos antes tinha suavizado a voz, tornando-a até simpática, para dizer ao sujeito que podia aguardar pelo colega que tinha entrado. “Espere aqui nesta sombra”, acrescentou ainda o guarda, no auge do seu momento «Miss simpatia». A minha surpresa no entanto perdeu razão de existir quando olhei para o senhor em questão. Na cabeça do guarda, um único aspecto distinguia-o claramente de mim. Aliás, distinguia-o é pouco, punha-o acima de mim. O senhor em questão era “caucasiano”. A surpresa desapareceu para dar lugar ao choque. Alguns dirão que já nem me deveria espantar e muito menos chocar, dado que situações desta natureza já fazem parte do quotidiano africano. São capazes de ter alguma razão quanto a constância da coisa, mas eu recuso-me a ver tal facto com naturalidade. Não pode ser considerado normal, tratar alguns seres humanos como superiores à outros! Se não os aliados teriam deixado Hitler continuar nos seus mandos e desmandos em nome de uma raça superior! Não posso com certeza ver com descaso, pessoas serem admitidas em alguns postos de trabalho, por exemplo, em função do tom de pele em vez de prevalecer o critério da competência. Ninguém me pode fazer compreender isso como algo normal! Não só não é normal como está errado. E acontece não só aqui, como em boa parte dos países africanos, por mim visitados. Os africanos negros parecem não notar que a escravatura acabou. Parece que não sabem que os seus países deixaram de ser colónias ultramarinas e que há muito se mandou lixar Salazar e os seus seguidores. Os negros africanos ainda temem o “homem branco”, ainda são subservientes, temerosos. E o que teme eles? Não sei. Talvez, mal habituados que estavam ao seu canto no fundo da sanzala, mesmo mudando-se para a casa grande, não se sintam ainda confortáveis em usar talheres de prata. Ou pior ainda, volvidas algumas décadas, talvez se sintam usurpadores da terra recuperada e a queiram entregar de volta. Talvez a reacção de hoje seja só um reflexo automático, depois de muitos anos a baixar a cabeça, sendo servil. Talvez muitos de nós tenhamos incorporado na mente uma espécie de síndrome do ex- escravo. São questões que talvez os sociólogos possam explicar, questões que, mesmo não as sabendo explicar na sua amplitude, preocupam-me seriamente. Porque enquanto as coisas continuarem assim, vamos continuar a ouvir absurdos como “ser preto ou branco faz toda a diferença porque os brancos são melhores que os pretos”, como certa vez ouvi. Outros hão de dizer que sou racista. Não sou. Não tenho nenhum ódio ou ressentimento contra o branco, o vermelho ou o amarelo. Não separo as pessoas por cores, alias, tento não separar as pessoas mediante critério algum. Pessoas são pessoas e ponto final. NJ 210