segunda-feira, 29 de março de 2010

Mana Mwana

Mana Mwana sentou-se finalmente, cansada do dia e da vida. Ginga, Wisa e Ajene, seus três filhos dormiam placidamente, depois do banho tomado e do lanche comido. Ajene apesar de ser adoptado, sempre fora tratado como filho biológico. A mãe do menino tinha morrido à quase 6 anos, vítima de complicações no parto. A falecida era vizinha e amiga, e quando os familiares se recusaram a receber o bebé, por este alegadamente ser feiticeiro, Mana Mwana acolheu-o entre os seus. Era o “caçulê” da família, o mais mimado e o mais dócil também.
A decisão de adoptar o pequeno foi difícil, Zé Maria, pai das duas filhas que já tinha foi contra, disse que não estava para criar o filho dos outros. a família também objectou, afinal já era tão difícil cuidar das duas meninas, porquê arranjar mais dor de cabeça? Algumas amigas também questionaram a sua decisão, uma chegou a dizer: “assim é o quê? Vontade mesmo de ter filho homem? Faz embora o teu”. Embora a pressão fosse muita, Mwana não desistiu dos seus intentos. Ajene foi viver com a nova família alguns dias depois e estava lá até hoje.
Zé Maria, esse não estava mais com a família. Embora ele acusa-se a chegada do menino com o factor principal do seu afastamento, toda a agente sabia que ele tinha preferido ir morar com uma senhora abastada que lhe dava de tudo. Ele tinha até deixado o emprego de pedreiro, porque não combinava com a nova vida. Agora viva as custas da nova mulher e por isso mesmo nunca tinha dinheiro para dar aos filhos. Ou pelo menos era assim que Mana Mwana pensava.
Cansada pegou no pequeno espelho em cima da cómoda velha. Mas antes de reparar nos seus traços cansados e preocupados, olhou para o reflexo dos seus três pequenos, deitados na cama de casal, tranquilamente entregues ao mundo dos sonhos. “No que estarão a sonhar? Espero que com coisas boas” pensou. Depois lá se fixou em si mesma: começava a pesar a idade. Ao 41 parecia mais estar perto dos 50, semblante sempre franzido, umas quantas pinças em redor dos olhos.
Mwana vende roupa do Brasil no Roque. Nunca foi às terras do Lula, apenas trabalha por conta doutrem. A patroa é uma senhora de nome Rita, que além de pouco delicada também é aparentada com o Caim, muito agarrada aos bens materiais, secretamente apelidada de “ambi” entre as outras vendedoras. A rotinha da grande feira era pesada. Acordava antes que o sol raia-se, porque era nesse horário que as pessoas apareciam e levavam mais coisas. Todos os dias tinha que discutir com fregueses que só queriam levar numeração pequena das calças jeans. Ao almoço, comia sempre aquele macaiabo, feito em condições duvidosas. Mas o seu aparelho digestivo já estava blindado.
Quando saía do roque por volta das 12 horas, Mana ia ainda trabalhar como doméstica em casa de uma família cheia de “guito”, que morava na Sagrada Família. Ficava aí até as 17 e só então ia para casa. Até chegar ao Prenda, onde morava, levava mais um bom tempo por causa do engarrafamento. Apesar de estafada, em casa ainda inventava forças para brincar e ver os trabalhos da escola dos filhos. Conversava com a irmã de 19 anos que morava com ela enquanto preparava a comida para o dia seguinte.
Eram 4 bocas para alimentar, porque Mwana não queria que a irmã trabalhasse, para não atrapalhar os estudos. “Ela tem que ser doutora” justificava constantemente. Linda entendia as preocupações da irmã e esforçava-se ao máximo para ser a primeira em todas as cadeiras daquele primeiro ano de direito. Se corresse tudo bem ia conseguir uma bolsa de estudos e não mais sobrecarregar a mana.
Quando Mana Mwana se deitou nesse dia, já passava das 22h, tinha perdido muito tempo a pensar na vida. Apesar de cansada sentia-se feliz. Os filhos e a irmã estavam alimentados, bem cuidados e o mais importante: recebiam instrução e “seriam alguém um dia”.

Publicado na edição 111 do Novo Jornal

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