terça-feira, 17 de março de 2009

Marta

Marta levantou-se a custo, acordada pelos gritos de Reinaldo. Eram casados há dois anos e à dois anos era sempre a mesma coisa. Passou mentalmente a lista de afazeres, tentando encontrar o que poderia ter ficado por fazer. Nada, havia feito absolutamente tudo da lista, até os benditos aquários ela tinha limpo. Será que um dos peixes tinha morrido? “ ah não! se for assim vai ser porrada a noite toda!”
Depois de ver a mulher levantar-se entorpecida e confusa, Reinaldo começa a destilar seu rio de veneno. Primeiro ele ataca a família dela, falando de como são todos “ uns pobres que não têm onde cair mortos, uns desgraçadinhos sustentados por mim!”, depois ela torna-se o centro de toda a sua injustificada fúria. Depois de uma três horas e meia, de insultos, ofensas, agressões psicológicas e muito whisky, ele sucumbe ao álcool e adormece, praticamente desmaiado.
Eram quase seis horas da manhã. Marta olhou para a cama, tentada a continuar o sono interrompido, mas sabia que não podia. Resignada dirigiu-se vagarosamente à casa de banho, só teria tempo para um duche rápido. Uma vez lá dentro olhou-se ao espelho: “ pelo menos dessa vez ele só gritou. Não vou precisar de perder tempo a disfarçar hematomas com a maquilhagem. Pelo menos hoje não há dores a esconder”
Há dois anos que essa situação se repetia, mas nem sempre as coisas tinham sido assim. Quando se conheceram há 4 anos Reinaldo era um promissor jovem executivo, nascido em berço de ouro, ele tinha vindo dos melhores colégios e faculdades privadas do país e esperava alcançar os mais altos cargos na multinacional em que trabalhava. Nem que fosse pelos contactos que o seu pai mantinha com os donos da empresa.
Marta também era executiva nessa mesma empresa, mas ao contrário dele, ela tinha vindo do nada, sempre fora aluna bolsista nos melhores colégios e faculdades publicas do país, por mérito próprio. E foi também por seu próprio mérito que tinha entrado na empresa e chegado aonde chegou: vice-presidente de uma das melhores e maiores empresas do mundo na área dos petróleos. Ela estava onde estava, porque merecia.
Quando se conheceram Reinaldo era um doce de pessoa, sempre simpático, extrovertido e gentil. Foram esses predicados que a tinham feito apaixonar-se por ele. Mas isso mudou bruscamente logo depois que voltaram da lua-de-mel. Marta tinha sido promovida na empresa, Reinaldo não. Desde aquele fatídico dia, tudo se desmoronou na relação deles. Talvez como forma de escape para a frustração, ele começou a beber descontroladamente.
E nos momentos em que se perdia na bebida descontava suas mágoas na esposa, revelando-se um pequeno déspota machista e chauvinista. “ mulher não tem que trabalhar! Lugar da mulher é na cozinha e na cama!” essas e outra pérolas Marta tinha que ouvir todos os dias. Apesar de tudo havia os momentos de quietude no meio da tempestade, momentos em que ele sóbrio pedia desculpas, e voltava a ser aquele ser gentil, educado e apaixonado que ela conhecera.
Era a esses momentos que marta se apegava com todas as forças. Era por esses momentos que não o abandonava. Embora sua vida pessoal fosse um caos, a vida profissional era um perfeito “ mundo perfeito”. Tinha galgado os degraus dentro da empresa sempre de forma limpa, resultado de uma mistura entre trabalho duro, inteligência e integridade.
Talvez ainda não haja tantas mulheres assim no poder, mas há certamente muitas que sofrem de agressão física e psicológica todos os dias, durante anos. Por isso ainda é preciso que haja um dia internacional da mulher, para que os homens saibam que nós podemos fazer tudo quanto eles fazem, e de salto alto!

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