“Isso não é para todas”, disse
ela. Eu saí do meu devaneio matinal e olhei confusa para a farmacêutica. Ela
percebeu a minha confusão e fez um gesto para a cabeça dela, enquanto repetia: “Isso
não é para todas”. Olhei para o cabelo curto já com um sorriso de compreensão
estampado na cara. “Muita implicância?”, perguntei eu. Ela concordou acenando
com a cabeça e acrescentando: “a minha sogra então! Não está a conseguir aceitar”.
Nem a sogra nem as cunhadas
pareciam achar piada a coisa. Ela não estava minimamente preocupada com “a
família do marido”, como fazia questão de dizer. Para ela o facto de o esposo
não ver nenhum problema no corte, era o suficiente. Depois de mais cinco
minutos de conversa, fui despachada com um volte sempre (desta vez pareceu verdadeiro)
e com um sorriso bem largo.
O encontro desta manhã veio
reforçar, uma vez mais, a ideia de que a sociedade é muito machista e altamente
contrária a quem pense e aja “fora da caixa”. É certo que há as mais variadas
reacções, mas a maior parte das pessoas fica chocada quando a pessoa faz uma alteração
deste tipo no visual. Mas a questão não é por exemplo mudar a cor do cabelo,
optar por usar cabelo natural ou extensões.
Eu já fiz de tudo na cabeça,
já fui até loira platinada com o meu cabelo natural, então eu sei por experiência
própria: é diferente. Causou estranheza? Certamente, mas cortar o cabelo é
sempre a mais difícil das mudanças de visual para as mulheres. Porque a
sociedade patriarcal sempre resiste um pouco mais se a mulher assume nuances
consideradas masculinas.
Ficam nervozinhos se a menina
não gosta de rosas, bâton e salto alto. Se ela gostar de verde, carros e botas
então “WAWÊ”!! Isso porque alguém um dia decidiu que havia papeis sociais
estipulados e que as pessoas deviam encaixar-se neles. Quem, como eu, não quer
seguir o circuito “normal”, é taxado : pouco confiável, irresponsável, louco,
anormal.
Bem, eu faço um esforço
constante para sair sempre da caixa, pensar diferente, ver diferente, aprender
diferente. É um exercício diário, estar aberto ao novo, ao desconhecido. Um
exercício de não impor aos outros a minha verdade, o meu pensar, porque cada um
é um caderno diferente, sendo preenchido de formas diferentes, com histórias
diferentes.
Respeitar essas histórias sem
perder o foco da minha, este é o meu objectivo na vida. Ser feliz sem
atrapalhar a felicidade de outrem. E ser feliz passa por me aceitar como sou:
faminta de novidades, inquieta, sedenta de acção, ração, confusão, mas também
de momentos de calma de compreensão, evolução. Isso sempre ciente e
respeitadora do mundo que me rodeia, complexo, rico, intenso.
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