quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Azar da Belita

Em 2010, cerca de um ano depois de chegar a Angola, ouvi a expressão: “azar da Belita”. Ouvi-a lá na Rua de Benguela, num dos muitos convívios organizados pelos parentes que escolhi, a família Santos, a Família Silveira/Massuquina. Lembro-me de ser corrigida umas quantas vezes pela Heliana, porque eu insistia em dizer “azar da mana Belita”. “Esse «mana» aí não existe”, ela dizia. Depois de muita insistência dela aprendi. Passei a usar a expressão para tudo e mais alguma coisa. Mais que essa só “azar não é só óbito”, que ganhava de goleada.

Portanto, a expressão sempre me foi muito querida, de tal forma que tomei como ofensa pessoal essa “música” lançada recentemente pelo C4Pedro. “Azar da Belita” é assim que se chama a tal “música”. Um exemplo claro de como se pode transformar uma expressão idiomática engraçada e útil num insulto claramente machista, numa violência e incentivo ao abuso das mulheres.
Pedi recentemente a um dos meus alunos que me arranjasse umas músicas, já que eles as vezes vêm de boleia comigo e fazem cara de paisagem diante do que oiço. A Pendrive voltou com 200 e tal músicas, quase todas kizombas e tarraxinhas, algumas conhecidas, outra nem por isso, umas ouvíveis outras “next”.

Vínhamos a ouvir as novas músicas quando C4Pedro começou a falar por cima de um instrumental irritantemente parecido com o som de um despertador: “Quando estou no Club e elas vêm com aquela mania do estilo: Não quero, sei lá, não fazes o meu estilo, não gostei de ti. E eu tento me controlar, né? Tipo vou nas calmas…”.

Para tudo! Como assim tento me controlar e vou nas calma? Filho, a mensagem foi clara: baza! Quem foi que disse que mulher gosta dessa insistência? Onde é que está escrito que tens que ir mas com calma? Não tens que insistir, ponto. Em algum momento da história da humanidade criaram esse conceito de que mulher quando diz não, quer dizer sim e andam a servir-se disso para violar, assediar, estuprar, saindo sempre ilesos, porque foi culpa dela. Ela é que queria, disse não mas queria dizer sim. Pior, Ela é que provocou, como é que ela me diz não, eu que sou o rei da cocada preta. Aliás, rei da coloca…

A música lá começa de verdade e a lagoa de patetices transforma-se em mar. “Morena, fala comigo, o que estou a sentir não é normal. Você faz de propósito, dando paulatinamente, mas quando te agarrar, vais-te arrepender mamã” – Mas assim… Você é que está a sentir coisas que não são normais e a culpa é da outra? Ainda há a ameaça velada de estupro. Porque se você diz que vai agarrar  a moça e ela se vai arrepender, fica muito claro que o que quer que seja, não vai ser consentido…

As meninas no banco de trás começam a comentar: “essa música é ofensa! Mas esse C4Pedro mesmo vai cantar ofensa? Assim mesmo é bom?” “Ofensa mesmo, yah?”. “Falta de respeito”. Percebi que se referiam a parte em que o “King CKwa” se auto-proclamava “rei da coloca”. Não conhecia a expressão então perguntei o que significava.

O rapaz, calou-se automaticamente e olhou para fora, pela janela. As meninas começaram a procura de palavras para explicar de forma clara, sem ofender. Afinal, no fim das contas eu ainda era a professora e parecia mal falar sobre o assunto, assim, as claras… No fim lá conseguiram explicar: coloca = posição sexual. Portanto ou outro andava a apregoar que era o rei da phod*!

Eu posso? Com a fama e a capacidade de penetração que tem entre os jovens dentro e fora de Angola, C4 Pedro resolveu que o melhor a fazer é incentivar o desrespeito, a violência, o assédio contra as mulheres. Sim, porque era mesmo o que nos faltava. Não bastava a violência que já sofríamos, precisávamos mesmo de um apelo mais forte, nem todos os homens estavam convencidos de que as mulheres são obrigadas a “dar” o que eles querem, quando querem e mandam… Realmente: Azar da Belita!

Para completar a tragédia o refrão é cantado por uma mulher, Edmazia, segundo o tio Google, que ajuda a coagir as outras: “aceita agora, aceita, porque depois vai ser pior”…


Ai mô deuso, “azar mesmo não é só óbito”, “mi matam só já”!  

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Até já mon ami - See you soon mon ami

Eu sou regra geral, uma pessoa muito emotiva, é facto. Mas quando entra morte na equação eu simplesmente me desfaço. Não sou boa com despedidas, nunca fui. Mesmo pra dizer adeus e voltar para casa depois de uma noite de festa ou de uma tarde de conversa.

Sempre fui muito reticente em afastar-me dos amigos, embora eu tenha uma tremenda queda para viagens. Todas as despedidas são duras, mas o adeus para sempre é certamente o pior!
Então eu decidi não dizer adeus, é uma coisa muito fatalista, peremptória. Eu prefiro dizer até já, mesmo que "já" leve anos para acontecer.

Então até já Joel. Fico muito triste de não ter voltado a ver-te neste mundo terreno. Se houver continuação, a gente vê-se mais daqui a uns tempos. Vou guardar pra mim a tua imagem, o defensor de direitos humanos mais fashion dos últimos tempos. Alegria, vou guardar a alegria também. A paixão com que defendias os teus argumentos... E o resto é o resto.

 A ti meu amigo eu saúdo: fornicação profunda, com todo o respeito!

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I am generally a very emotional person, it is a fact. But when death enters the equation I simply break. I'm not good with goodbyes, never was.
Even to say goodbye and return home after a night of partying or an afternoon of conversation.

I've always been very reluctant to move away from friends, although I have a tremendous fall for travel. All goodbyes are hard, but the goodbye forever is certainly the worst! So I decided not to say goodbye, it's a very fatalistic, peremptory thing. I prefer to say se you soon, even if "soon" take years To happen.

So, see you soon Joel. I am very sai às Inwill not have see you again in this earthly world. If it continue, we'll see again some time. I will save your image, the most fashion human rights defender ever. Joy, I will keep the joy too. And the passion with which you fight for your arguments ... And the rest is the rest.


To you my friend I salute: fornicação profunda, com todo o respeito!

To Joel Gustave Nana



quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O peso de pensar diferente

“Isso não é para todas”, disse ela. Eu saí do meu devaneio matinal e olhei confusa para a farmacêutica. Ela percebeu a minha confusão e fez um gesto para a cabeça dela, enquanto repetia: “Isso não é para todas”. Olhei para o cabelo curto já com um sorriso de compreensão estampado na cara. “Muita implicância?”, perguntei eu. Ela concordou acenando com a cabeça e acrescentando: “a minha sogra então! Não está a conseguir aceitar”.

Nem a sogra nem as cunhadas pareciam achar piada a coisa. Ela não estava minimamente preocupada com “a família do marido”, como fazia questão de dizer. Para ela o facto de o esposo não ver nenhum problema no corte, era o suficiente. Depois de mais cinco minutos de conversa, fui despachada com um volte sempre (desta vez pareceu verdadeiro) e com um sorriso bem largo.

O encontro desta manhã veio reforçar, uma vez mais, a ideia de que a sociedade é muito machista e altamente contrária a quem pense e aja “fora da caixa”. É certo que há as mais variadas reacções, mas a maior parte das pessoas fica chocada quando a pessoa faz uma alteração deste tipo no visual. Mas a questão não é por exemplo mudar a cor do cabelo, optar por usar cabelo natural ou extensões.

Eu já fiz de tudo na cabeça, já fui até loira platinada com o meu cabelo natural, então eu sei por experiência própria: é diferente. Causou estranheza? Certamente, mas cortar o cabelo é sempre a mais difícil das mudanças de visual para as mulheres. Porque a sociedade patriarcal sempre resiste um pouco mais se a mulher assume nuances consideradas masculinas.  

Ficam nervozinhos se a menina não gosta de rosas, bâton e salto alto. Se ela gostar de verde, carros e botas então “WAWÊ”!! Isso porque alguém um dia decidiu que havia papeis sociais estipulados e que as pessoas deviam encaixar-se neles. Quem, como eu, não quer seguir o circuito “normal”, é taxado : pouco confiável, irresponsável, louco, anormal.

Bem, eu faço um esforço constante para sair sempre da caixa, pensar diferente, ver diferente, aprender diferente. É um exercício diário, estar aberto ao novo, ao desconhecido. Um exercício de não impor aos outros a minha verdade, o meu pensar, porque cada um é um caderno diferente, sendo preenchido de formas diferentes, com histórias diferentes.

Respeitar essas histórias sem perder o foco da minha, este é o meu objectivo na vida. Ser feliz sem atrapalhar a felicidade de outrem. E ser feliz passa por me aceitar como sou: faminta de novidades, inquieta, sedenta de acção, ração, confusão, mas também de momentos de calma de compreensão, evolução. Isso sempre ciente e respeitadora do mundo que me rodeia, complexo, rico, intenso.
 
 
 

 

 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Mania de imitar...


“Em França morrem 12 pessoas, todo o mundo chora. Na Nigéria morrem 2000 pessoas, ninguém se importa”. Mas esse espírito de gado vão buscar aonde? Porque é que têm que seguir alguém? Porque é que o mundo todo tem que se importar com os nigerianos que morreram? Porque é que temos que esperar que o mundo todo se importe para nos importarmos? Eu não sou Charlie e também não sou “todo o mundo”. Sou africana e é como africana falo.

Temos, sim - nós africanos, que parar com essa mania de mendigar. Mendigar atenção de uma Europa e de uma América que haja o que “hajar”, com crise ou sem crise, precisando ou não de nos invadir para ganhar o seu, está sempre em cima. Temos que parar de mendigar dinheiro e passar a gerir melhor o que temos, porque nós temos muito. O que não temos de petróleo, temos de diamantes, de ouro, prata e o que mais houver de minério.

E quando não há recursos naturais não renováveis, há os renováveis ou sustentáveis. O turismo é um exemplo. Quem não tem verde tem castanho, tem amarelo, alguma coisa tem. O que falta é investir a sério no maior capital que continente pode ter: capital humano. Todos os anos temos pessoas capacitadas deixando o continente e indo trabalhar (muitas vezes fora da sua área de formação) noutros continentes. Porquê? Porque nós não temos o básico: educação, saúde e segurança. Porque nós preferimos embolsar, desviar, extraviar as verbas que seriam investidas nessas áreas.

De resto, ficamos sentados a espera que nos venham dizer o que é melhor fazer com o pouco que temos e o muito que nos dão (emprestado). Porque mesmo quando apregoam que é oferta, a "tal filantropia", como cantou Paulo Flores, traz sempre uma conta que será cobrada em algum momento. “Não há almoços grátis”, costumavam dizer os estudantes de administração na faculdade. Eles estavam certos.

Entramos numa inércia tal que qualquer dia desses têm que nos vir dar banho. Ah, não. Banho, ainda conseguimos tomar… Banho de sangue.  Andamos a matar-nos uns aos outros em nome de um ser superior, um bem maior… Mas eu pergunto, se não conseguimos amar e respeitar um ser semelhante a nós, onde vamos buscar capacidade para amar e respeitar o ser imaterial e etéreo que andamos a apregoar, com o nome que lhe quisermos dar?

Nós devemos estar solidários com a dor da Nigéria porque a sentimos, como africanos que somos, não porque meio mundo se solidarizou com a França, o Charlie e etc. Deixemo-nos de imitações, de comparações e de reacções. Não devemos esperar que os outros façam primeiro para depois agirmos em conformidade (gosto bwé dessa expressão, é tão “oficial”). O que tem que mudar não é o resto do mundo em relação a nós, nós africanos é que temos que deixar de ser reactivos para passarmos a ser activos.

A tal independência pela qual muitos morreram não era para ser teórica, era para ser prática. Pratiquemo-la então. Sem esperar linhas mestras, sem imitar, façamos o nosso, criemos.
 

Bob Marley bazou mas deixou instruções:
"Emancipate yourselves Form mental slavery
None but ourselves can free our minds"