Mariana sentia-se “a própria” no dia em que completou 18 anos. O cabelo encaracolado, negro, sedoso e comprido até a cintura fina, tinha sido comprado no Brasil pelo namorado e colocado num cabeleireiro na sagrada família, coisa chic. O vestido preto era uma peça digna de nota: um tubinho preto de nylon que quase nem cobria a bunda e que tinha custado uns indizíveis 700 dólares só por ser de grife! Um modelito exclusivo, ela fazia questão de sublinhar. “Ninguém nessa cidade tem uma peça igual a essa”, dizia. Bem… igual pode ser que não, mas eu jurava que tinha visto uma modelo com um idêntico, talvez um número a cima, numa dessas revistas de fofoca.
Não comentei nada claro, afinal ela estava num entusiasmo tão grande, que não valia a pena fazer reparo de um pormenor tão insignificante. Além do que, tinha visto a revista em cima da mesa de centro lá da casa onde fazia limpezas as terças e quintas, por isso nem tinha como provar o que dizia. Fiquei a vê-la encher a cara de maquiagem, material de primeira, tudo comprado no exterior, pelo tal namorado. Quase uma hora de base, pó-de-arroz, sombra, blush, rímel e batom, depois, Mariana parecia outra pessoa. Os espinhos (a filha da minha patroa chama de acne, não sei porquê), tinha desaparecido totalmente!
Eu bem lhe tinha dito que aquela coisa de pintar a cara de vestido posto ia dar azar, mas ela não me ouviu… Embora as pessoas não admitam, sabe mesmo bem dizer: eu não disse? Então foi com algum prazer que eu fiz isso, depois que terminou a sessão de maquiagem. O busto do vestidinho preto quase ficou roxo, porque a sombra era dessa cor, para combinar com os sapatos e a bolsinha (só cabia lá o telemóvel e as chaves de casa). Ah, quase me esqueço de referir: tanto o sapato como o a bolsa eram de marca, o primeiro era Aldo e a segunda era Louis Vuitton. Toda a rua sabia disso, o namorado tinha trazido de uma viagem que fez à Portugal.
A mariana até é boa menina. Ok, talvez fosse melhor conjugar o verbo no passado. Agora ficava um bocado difícil explicar se ela era boa ou má, alias ficava difícil explicar muita coisa naquela jovem nestes últimos dias. Eu sou um pouco mais velha que a Mariana, na verdade sou amiga é da irmã mais velha dela, a Catarina. Mas é como se ela fosse minha irmã também, via-a crescer aqui no bairro. Menina esperta, olhar vivo energia nos pés e sempre com os dentes a mostra. Era magrinha quando criança, mas de repente, acho que quando andava aí pelos 15 anos, surgiram-lhe as carnes todas, nos lugares exactos.
Três anos depois, Mariana tinha ganho muita coisa além da idade. Os namorados eram sempre HRs (homens ricos), porque segundo ela, tinha que aproveitar o que Deus lhe tinha dado, para garantir o futuro. Como resultado disso, a cozinha da família agora é toda nova, o quarto dela parece um lugar a parte do resto da casa. E apesar de sempre estar matriculada nos melhores colégios, a faculdade não parecia ser o seu obecjtivo final. Este último, Zé Maria, tinha mais 20 anos que ela e era casado, do tipo que estava sempre para se divorciar, mas nem se quer saía de casa. Ela fingia que acreditava nele, ele dava-lhe tudo e assim iam todos felizes.
Mas aquele era um dia diferente, Mariana sentia-se “a própria”. Finalmente tinha atingido a maioridade. E o namorado tinha prometido dar-lhe um presente especial. Quando saímos do quarto cinco estrelas, Zé Maria estava sentado na sala a falar com os “sogros”. Tinha todos um ar resplandecente, de quem se continha, mas tinha vontade de festejar. Depois daquela conversa básica, “estás linda amor”, “milha filha como cresceste” (até parece que ainda não tinham notado), a aniversariante levantou-se expedita, queria sair logo. Do lado de fora, com um enorme laço vermelho, estava estacionado um X8 preto, brilhante, zero quilômetros. Nesse dia, para muitos lá da rua, Mariana tornou-se realmente “a própria”.
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