O polícia
“Pronto, está limpa.” Eduardo Luis se certifica de que a arma está travada e a guarda. Há meses esse mesmo momento se repetia todas as noites. Desde que entrara para o Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas, sua vida se transformou. Aprendera tanta coisa em tão pouco tempo. Sua visão de abordagem e tratamento de suspeitos foi o que mais mudou, aprendeu a tratar as pessoas com mais respeito e amabilidade.
Ser policial já não significava maltratar pessoas de baixa renda só pela sua aparência humilde e “duvidosa” como diziam alguns colegas. Desde que fazia parte do “Raio”, Eduardo sentia que a vida no seu bairro e na vizinhança melhorava. Os meliantes já não agiam de forma tão aberta, a população circulava mais tranqüila pelas ruas, mesmo em horas tardias da noite.
Assim como em todas as noites desde que trouxera pela primeira vez uma arma de fogo para casa, Eduardo Luis conferiu todos os processos de segurança antes de ir dormir. No fim da checagem diária, ele se ajoelhou, fez o sinal da cruz e recitou a mesma prece : “ obrigado senhor por todas as graças concedidas. Me dê luz para eu nunca ter que fazer uso dessa arma, amem.”
No dia seguinte o despertador não toucou. Eduardo Luis saiu tarde, mal teve tempo para o café da manhã. Quando assomava a porta de entrada percebeu a movimentação em frente à casa. Um homem desconhecido acabava de assaltar André Luis, seu irmão mais velho, e roubar a sua moto. Foi tudo muito rápido. Quando deu por si, estava em perseguição ao homem desconhecido.
Luzes e sirenes ligadas nada pareciam significar para o meliante. Quando estava perto de alcançar o larápio Eduardo Luis ouviu o primeiro disparo. A bala passou bem perto a seu ouvido! Pelo menos foi o que ele pensou no momento. Assustado com a detonação, Eduardo reduz a velocidade e avalia se sofreu algum ferimento. Tempo suficiente para o meliante se mudar para um automóvel.
Na adrenalina da perseguição a moto roubada, o policial não tinha pensado na hipótese de que o carro que seguia a frente da moto de seu irmão, tivesse ligações com o larápio. De volta a perseguição Eduardo saca e destrava a sua arma. De novo ele faz a prece, “Louvado sejas senhor! Me dê luz para eu nunca ter que fazer uso dessa arma, amem”.
Deus estava distraído no momento do pedido de Eduardo Luis. Sua prece não foi escutada, e cinco minutos depois o policial dispara. Dos suspeitos quem saíam do carro batido no muro, um cai. É o sujeito da moto. O policial pede aos transeuntes que chamem uma ambulância e se prepara para continuar a perseguição aos outros dois meliantes. Depois de caminhar meio quarteirão ele volta atrás.
Eduardo Luis se ajoelha junto ao ferido e tenta estancar a hemorragia em seu tórax. Junta-se gente em redor da cena. Respiração boca-a-boca e massagem cardíaca, tudo é feito. Uma, duas, três vezes e nada. Chega a ambulância, paramédicos, macas, botijas de oxigênio, tudo para nada. “Esse já era” diz um dos paramédicos. Eduardo quase nem escuta, está tendo outra conversa. “Ai senhor, porque não atendeste as minhas preces?”
O ladrão
Claudinho Sentado no ônibus revê mentalmente os planos para por em prática no dia seguinte. Ele, João e Deusidete iam levar acabo uma série de “ações decisivas” como ele chamava. Nunca havia feito algo te tão grande. Fazia um mês que Claudinho tinha começado a roubar. Antes disso ele tinha num emprego, as coisas iam bem na vida. Tinha uma filha linda de um ano e seis meses, uma esposa dedicada e se dava bem com os pais.
Tudo mudou quando a empresa em que trabalhava fechou as portas sem aviso prévio. Simplesmente numa segunda de manhã os funcionários chegaram e encontraram o galpão onde funcionava a gráfica completamente vazio. Foi um duro golpe para as finanças da família. Ele era quem melhor recebia e quem mais contribuía em casa.
Depois de semanas com o jornal de baixo do braço, e batendo de porta em porta a procura de um emprego, Claudinho finalmente anunciou em casa que tinha conseguido. Ia ser vendedor de uma empresa de venda a domicílio. Era uma loja dessas que vende tudo, aparelho Celular, relógio, mp3, aparelho de som para carro. Tudo em segunda mão, com facilidades de pagamento.
Como ele sempre fora uma pessoa honesta, ninguém desconfiou. Quem iria sequer duvidar de Claudinho? O melhor filho do senhor Severino. O caçula que apesar das dificuldades, sempre tinha estudado e ajudado muito a família.Ninguém achou estranho esse emprego caído do céu, com tantas vantagens. O Claudinho era inteligente e tinha estudado.
Nos primeiros tempos o jovem trabalha sozinho. Usa a inteligência e a esperteza, tão elogiadas nos tempos da escola, para criar estratégias de roubo e assalto. Apesar de usar uma arma, ele nunca pensou em realmente disparar e matar alguém. A arma era simplesmente parte da estratégia de intimidação na hora do assalto. Tanto que ele nunca a destravava.
Esse “trabalho” era para ser temporário. Só até “eu conseguir arrumar um bom emprego”, costumava pensar. Mas então as coisas fugiram ao seu controle. Era muito dinheiro entrando em casa. Como iria justificar para a família a saída de um emprego tão bom? E para completar, ele conheceu João e Deusidete. Foi aí que as coisas estragaram. Ele deixou de trabalhar sozinho.
João e Deusidete eram um casal estranho. Ela apesar de pequena parecia mandar e demandar naquele homem de 1,85cm e 95 kg. Eles conheceram Claudinho no dia em que tentavam assaltar uma loja, faziam três semanas. Eles tentaram durante horas e quando estavam indo embora viram de dentro do carro como Claudinho fazia tudo em menos de cinco minutos.
Claudinho ainda se lembra do susto que levou quando saiu da loja de informática. Primeiro achou que fossem policiais a paisana, depois que o iam roubar e matar. No fim o casal explicou que apenas o queriam conhecer porque estavam admirados com as suas habilidades, pois haviam tentado a noite toda arrombar a loja, coisa que ele fez em minutos.
A partir desse dia Claudinho se transformou no mentor do casal. Um professor na arte de bem roubar. Se eles tinham algum lugar em vista para assaltar, Claudinho criava a estratégia e o plano de ação. Tudo correu bem até que João e Deusidete acharam que deveriam tentar eles mesmo criar uma estratégia. Um teste para saber se eles evoluíam.
Claudinho concordou, não ia ser um roubo para o negócio, ia ser quase uma diversão, um jogo. O plano tinha falhas, mas ele achou melhor executar para mostrar na prática quais eram os problemas, por isso não disse nada. Iam roubar uma moto, qualquer moto, de qualquer pessoa. Era suposto ser um plano aplicável em qualquer situação.
No dia do roubo da moto Claudinho soube da surpresa, ia ser ele a executar o plano. Ele ainda tentou argumentar , fazê-los desistir, mas na conseguiu. Mudaram o plano, iam o três ao mesmo tempo, para o caso de algum precisar de ajuda. no momento em que saíram co carro Claudinho teve um mau pressentimento, mas ignorou-o, não queria parecer fraco.
Foi tudo muito rápido. Eles conseguiram roubar a moto, mas quando ele saía da frente do portão da casa do dono da moto, alguém lhe deu voz de prisão. Assustado ele acelerou, fugiu. João e Deusidete já tinham saído, iam mais a frente no carro. Momentos depois Claudinho ouve as sirenes e vê pelo espelho retrovisor um policial motorizado do “ronda”.
Um tiro se ouve. Do carro dispararam contra o policial. “Ele deve estar ferido, reduziu.” grita Deusidete. Claudinho abandona a moto e entra no carro. “esse policial tem sete vidas é?” pergunta João momentos depois, o policial voltou a perseguição. Descontrolado João bate o carro no murro de uma casa. O trio sai do carro e Deusidete dispara para fazer parar o policial.
Claudinho promete sair do mundo do crime se sobreviver. Então soa uma detonação diferente da da arma de Deusidete. Quase no mesmo instante ele sente a dor e cai. Ele sente alguém por perto, mas ñ presta atenção. Só ouve ao longe uma musica tocar.
“... Bateu de frente/ Um bandido e um/ Sub-tenente lá do batalhão/ Foi tiro de lá e de cá/ Balas perdidas no ar ...”
Um comentário:
"Negema wangu binti"...
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